Por Guilherme Boulos e Guilherme
Simões
Nas últimas semanas, a Polícia Militar tem
sitiado vários bairros periféricos da Região Metropolitana de São Paulo. Numa
suposta reação a ataques do crime organizado, policiais tomam comunidades,
fecham ruas e abordam de forma indiscriminada e frequentemente agressiva os
moradores. Como costuma ocorrer em casos como este, a “reação” é inteiramente
desproporcional à ação. Além de desorientada.
Desde o início de junho, quando a ROTA
protagonizou uma brutal chacina na Zona Leste, executando seis pessoas que
estariam em uma “reunião do PCC”, o clima de terror alastrou-se pelas
periferias. Segundo a própria PM, cerca de 100 mil pessoas foram abordadas
entre os dias 24 e 30 de junho. Neste mesmo período, cerca de 400 pessoas foram
presas. Mas estes números são apenas a face pública da situação.
Momentos como este, em que a polícia –
estimulada pela maior parte da imprensa e pelo sentimento fascista de um setor
da classe média – coloca-se como vítima, que precisa reagir em nome da lei e do
Estado de Direito, são extremamente perigosos. Abre-se então a temporada de
caça aos “criminosos”, identificados sem muita restrição aos pobres, moradores
da periferia, negros e, preferencialmente, jovens. Julgamentos sumários,
extermínios e acertos de contas são feitos em nome da lei e da ordem.
Crimes de Maio de 2006
Há seis anos o mesmo estado de São Paulo
vivenciou uma situação análoga. O resultado foi a maior chacina, ainda que
descentralizada, de que se tem notícia nas últimas décadas no Brasil. Entre os
dias 12 e 20 de maio de 2006, 493 pessoas, em sua maioria jovens da periferia,
foram mortos pela PM. À época, associaram-se tais mortes a uma reação da PM aos
ataques e os mortos a criminosos do PCC. Os relatos daquele maio sangrento
foram recuperados e podem ser acessados por todos através do Movimento das Mães
de Maio, organização de mulheres que perderam seus filhos na suposta reação ao
crime organizado.
Esta Cruzada contra o “crime” de 2006
naturalmente não reduziu os índices de criminalidade no estado. Não era esse
seu objetivo. É mais do que sabido que o combate ao crime organizado passa,
antes de tudo, por enfrentar suas profundas ramificações dentro do próprio
Estado e, em particular, da polícia. O que a chacina de 2006 representou foi
uma oportunidade privilegiada de criminalização da pobreza, de extermínio
sádico e de mostrar aos trabalhadores mais pobres qual deve ser o seu lugar
nesta sociedade.
Pesadelo revivido
As últimas semanas nos fizeram reviver este
pesadelo. Toques de recolher, prisões e mortes obscuras estão novamente sendo
naturalizados pelo governo e imprensa sob o argumento do combate ao crime. Não
nos parece natural que a PM imponha toques de recolher no Capão Redondo, Jardim
São Luiz e Grajaú ou em regiões de Guarulhos, como ocorreu dias atrás.
No Capão Redondo, depois da morte de um
policial que estava de folga, pelo menos 8 pessoas foram executadas por um
grupo encapuzado. Após um destes extermínios, o do copeiro Eleandro Cavalcante
de Abreu, de 21 anos, um ônibus foi incendiado em protesto. Entre 17 e 28 de
junho já foram 21 assassinatos no bairro. Moradores do bairro Jd. São Bento
Novo afirmam que a polícia baleou três jovens que não tinham sequer passagem
pela polícia. No Jardim São Luiz, 6 jovens foram executados em situação
semelhante.
O hospital do M’Boi Mirim, na mesma região,
atendia cerca de 6 feridos por bala nos dias que seguiram os ataques. A média
desse tipo de atendimento era de 2 por semana, segundo funcionários do
hospital.
No Grajaú, também na zona sul, após ataque a
uma base da PM, a quinta feira dia 27 foi de bastante temor para os moradores.
Helicópteros e ostensiva presença da Força Tática impunham toque de recolher
como forma de retaliação. Moradores do bairro dos Pimentas, em Guarulhos,
afirmam que além do toque de recolher, cerca de 13 pessoas foram executadas nos
últimos dias. No último dia 2 de julho, a Rota executou dois jovens em
Sapopemba, zona leste da capital. Apenas entre os dias 17 e 28 de junho, 127
pessoas foram assassinadas, o que é 53% mais do que o mesmo período do ano
passado.
Estas são apenas algumas das denúncias que
conseguimos levantar. O próprio jornal Folha de
S. Paulo publicou, no dia 5 de junho, que os homicídios cometidos
por policiais da ROTA aumentaram 45% nos cinco primeiros meses deste ano em
relação a 2001 e 104% em relação a 2010. Ou seja, antes mesmo dos ataques a
bases da PM, que teriam provocado a “reação”, a polícia já estava num ataque
crescente.
Todos sabem que a imensa maioria da população
que vive na periferia não faz parte do crime organizado. Muito diferente disso,
somos trabalhadores formais, informais, desempregados e quase sempre
super-explorados. Em troca, direitos básicos nos são negados cotidianamente. Nossa
pobreza é tratada como crime a ser punido e reprimido. A única face do Estado
de Direito que se apresenta nas periferias é a polícia.
O governador Geraldo Alckimin foi à imprensa
para dizer que quem enfrentar o Estado vai perder. Sua secretária de Justiça,
Eloísa Arruda, já havia dito na ocasião do massacre do Pinheirinho que, para
ela, a legalidade está acima dos direitos humanos. A senha foi dada. Enquanto
isso, a chacina continua a céu aberto…
Nenhum comentário:
Postar um comentário