Do AfroPress
Osasco/SP – A Justiça de Osasco, cidade da região metropolitana
da Grande S. Paulo, absolveu os seis seguranças réus no processo de tortura ao
vigilante da USP, Januário Alves de Santana, 45 anos, nas dependências do
Hipermercado Carrefour.
Segundo a juíza da 2ª Vara Criminal, Márcia de Mello
Alcoforado Herrero, os seguranças - Edson Pereira da Silva Filho, Macelo Rabelo
de Sá, Luiz Carlos dos Santos, Anderson Serafim Guedes, Mário Lúcio Soares
Moreira Gomes Dárcio Alves Santos - que
foram indiciados pelo crime de tortura motivada por discriminação racial com
base na Lei 9.455/97 - não cometeram crime.
O caso aconteceu no dia 07 de agosto de 2009, e teve intensa
repercussão dentro e fora do país. Januário estava acompanhado da família – a
mulher, Maria dos Remédios, dois filhos menores, uma irmã a cunhada – e foi ao
hipermercado para fazer compras, na direção do Ford/Ecosport de placas
DXP-7608/Osasco, como fazia regularmente. Suspeito do roubo do próprio carro
foi perseguido, dominado, levado a um corredor e espancado barbaramente por
cerca de 30 minutos.
Tortura
Por causa dos espancamentos – uma sessão de socos, ponta-pés
e tentativas de esganadura para que confessasse que estava “puxando carros no
estacionamento” -, o vigilante sofreu fratura em três partes no maxilar
esquerdo, tendo que passar por cirurgia no Hospital Universitário da USP.
Diante da enorme repercussão do caso, o Carrefour demitiu os
agressores (que atuavam como funcionários da Nacional Segurança) e indenizou
Januário, assumindo a responsabilidade no plano civil. A condenação penal dos
acusados era esperada diante das provas existentes no Inquérito Policial,
inclusive o laudo com as provas das lesões de natureza grave sofridas pelo
vigilante.
O delegado que presidiu a investigação, Léo Francisco Salem
Ribeiro, do 9º DP de Osasco, denunciou os agressores por “tortura motivada por
discriminação racial”, com base na Lei 9.455/97 – a Lei da Tortura. Segundo o
delegado “restou cristalino que Januário Alves de Santana foi submetido a
intenso sofrimento físico e mental a fim de obter sua confissão. Angustiante
perceber que (o que motivou) a empreitada foi a discriminação racial",
afirma no despacho em que formaliza o indiciamento, que foi juntado ao Inquérito
302/2009.“Os algozes pretendiam humilhar e dilacerar a alma da vítima, pois
diziam “cala a boca, seu neguinho (...) Nós vamos te matar de porrada”. Santana
oscilou em intervalos de lucidez e perda de consciência oriundos da tortura
sofrida”, acrescentou o delegado no despacho, apontando “o emprego de violência
para obter informação ou confissão, em razão de discriminação racial”, conforme
prevê a Lei da Tortura.
O delegado, também concluiu no Inquérito que os três
policiais militares que atenderam a ocorrência, sob o comando do soldado José
de Pina Neto, praticaram o crime de omissão de socorro, previsto no art. 135 do
Código Penal brasileiro.
A denúncia foi, posteriormente, recebida pelo Ministério
Público e pela Justiça de Osasco, menos em relação aos policiais, nem mesmo em
relação a omissão de socorro apurada na investigação.
Se fossem condenados, os réus no processo poderiam pegar
penas que variavam de 4 a 10 anos de reclusão.
Perplexidade e tristeza
A absolvição dos acusados causou perplexidade. Para o advogado do vigilante da USP, Dojival
Vieira dos Santos, que atua como assistente de acusação do MP, a sentença
contraria a prova dos autos: “Tenho muito respeito pelas decisões judiciais,
mas não posso deixar de registrar que, como cidadão brasileiro e como advogado
militante, a decisão só pode ser recebida com desapontamento e tristeza por
todos os que esperavam Justiça”, afirmou. Ele disse que aguardará o
pronunciamento do Ministério Público para se manifestar oficialmente no
processo, mas adiantou que usará todos os recursos e atribuições que a Lei
garante ao assistente de acusação para que a sentença seja reformada, a
impunidade não prevaleça e a Justiça seja feita.
A promotora Maria do Carmo Galvão de Barros Toscano havia
denunciado quatro dos seis acusados pelo crime de tortura, porém, retirou a
alínea “c”, da Lei 9.455/97, que trata da motivação racial, e pediu que os réus
Edson, Marcelo, Luiz e Anderson, a quem denunciou por tortura cumprissem pena
em regime inicialmente fechado “uma vez que se trata de crime equiparado a
hediondo, praticado de forma violenta contra a vítima, a qual sofreu lesões de
natureza grave, devendo, portanto, ser punido de forma mais rigorosa”.
Impunidade
O advogado de Januário, ao se manifestar após a audiência de
instrução e julgamento, pediu o aditamento da denúncia para que fosse
considerada a motivação racial (alínea “c” da Lei 94.55/97, conforme o apurado
na fase do Inquérito), e a inclusão dos policiais que atenderam a ocorrência,
em especial, o PM José Pina Neto.
Pina Neto, que já está aposentado, ao chegar para atender a
ocorrência, tentou convencer o vigilante a confessar “por ter cara de ter pelo
menos três passagens”. A juíza na sentença, porém, desconsiderou os argumentos.
“Admira-se o empenho da Assistência de Acusação e o
envolvimento da sociedade civil no debate; porém, feito criminal demanda, como
já foi dito, provas sólidas, que não se veem aqui, até porque, ao final, não se
atribuiu a qualquer dos Réus, a contento, intuito de extração de confissão, dispersando-se
a acusação, à Polícia (a componente de seus quadros), que, já à época, não foi
responsabilizada, menos ainda cabendo sua responsabilização criminal agora,
sendo, eventual debate em outra esfera independente”, finalizou.
Veja matéria da TV Record com a reconstituição do caso.
NOTA DA REDAÇÃO:
Todas as reportagens envolvendo este caso e outros em que o
jornalista Dojival Vieira atua como advogado, são de responsabilidade da equipe
de jornalistas que integram a Redação da Afropress.
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