domingo, 16 de dezembro de 2012

NO BERÇO DOS ESQUADRÕES DA MORTE


Por Mauro Malin do Observatório da Imprensa

No dia 4 de dezembro, uma operação conjunta das polícias militar e civil do Rio de Janeiro com a Polícia Federal levou para o quartel-general da PM 61 soldados e suboficiais acusados de extorsão, sequestro, tortura, homicídios e associação com o tráfico. Esses homens eram 10% do efetivo do 15º Batalhão, de Duque de Caxias, Baixada Fluminense, onde todos trabalhavam – a palavra mais adequada é operavam: basicamente, cobravam propina para deixar o Comando Vermelho à vontade, o que lhes rendia algo como R$ 150 mil mensais.

O comandante do batalhão foi substituído. O Globo do dia seguinte recapitulou: em 2007, 59 policiais do mesmo 15º Batalhão, presos em operação semelhante, igualmente acusados de envolvimento com o tráfico, foram, por falta de provas, devolvidos às ruas.

Retaliação macabra

Um pouquinho mais de apuro na edição da reportagem teria agregado que em 2005 dez policiais do 15º Batalhão foram presos sob a acusação de matar um homem e jogar sua cabeça dentro do quartel, em represália contra um comandante que pretendia combater a criminalidade naquela repartição pública.

Ligados a outros policiais, esses homens promoveram em Nova Iguaçu e Queimados, naquele ano, um atentado terrorista semelhante ao que o nazista Anders Behring Breivik faria seis anos depois na Noruega: passaram atirando pelas ruas de oito bairros e deixaram 29 pessoas mortas.

Mais uma volta no parafuso teria permitido ao leitor saber que em 2004 o comandante-geral da PM-RJ foi substituído pelo então governador Anthony Garotinho após uma sucessão de episódios protagonizados por PMs, entre os quais alguns do 15º Batalhão. Naquela ocasião, a acusação era de cobrança de propina para liberar transporte irregular por vans.

No tempo de Beira-Mar

E outra volta adicional revelaria que, em 2002, integrantes do quartel entraram atirando numa favela e feriram 15 pessoas. Isso foi em novembro. Em junho, o corregedor geral da Secretaria de Segurança Pública do Rio havia pedido ao Ministério Público estadual gravações em que policiais, supostamente do 15º Batalhão, pediam propina a traficantes.

Nesse último caso, duas informações ganham relevo: 1) um dos bandidos era Fernandinho Beira-Mar; 2) a propina variava de R$ 100 a R$ 500, ao passo que agora, segundo o Estado de S. Paulo (5/12), varia de R$ 1,4 mil a R$ 500 mil.

Os traficantes não só gastavam bem menos com esse segmento de sua logística (isso indica que a arrecadação bruta aumentou, de modo a acomodar a alta da remuneração aos PMs pelos serviços prestados), como nem sempre estavam dispostos a gastar algum: segundo reportagem da Folha de S. Paulo (21/6/2002), “Índio [um dos auxiliares de Beira-Mar] também é orientado [em telefonemas] a não pagar propina a policiais que moram nas favelas próximas. Eles deveriam colaborar com o tráfico como forma de garantir a própria sobrevivência e a da família”.

Contra a fome, extermínio
Essa passagem ajuda a entender que ir parar na sarjeta da ética não é só, para alguns policiais, questão de vocação criminosa. É questão de vida ou morte.

A cronologia reversa poderia continuar por anos e décadas. Dá para perceber que o 15º Batalhão aparece com frequência no noticiário criminal. Entretanto, não é possível avançar muito além dessa constatação rasa. Uma compreensão mais elaborada requer que as notícias sejam colocadas em contexto. E isso, por sua vez, exige o concurso de disciplinas como a sociologia, a economia, a demografia, a geografia, o urbanismo, a antropologia social etc.

Determinadas informações, entretanto, podem esclarecer mais do que centenas de páginas de estudo. Por exemplo, no caso, que o 15º Batalhão tinha certa notoriedade por abrigar grupos de extermínio, uma praga nacional originária da Baixada Fluminense.

Mais ainda: que o batalhão foi criado, com o ordinal de 6º do antigo Estado do Rio, um ano após uma das maiores explosões de saques da história brasileira, o “Motim da Fome” ocorrido em Duque de Caxias no dia 5 de julho de 1962.

Inicialmente aquartelado, o contingente de PMs conviveu com uma “milícia” instituída pela Associação Comercial e Industrial da cidade após o trágico episódio (segundo reportagem da revista Fatos & Fotos, então dirigida por Alberto Dines, cerca de 50 pessoas foram mortas e 500 ficaram feridas).

O passado amarra o futuro

O regime militar mandou para as ruas as polícias militares, em todo o país. Na Baixada Fluminense, devido à parte que lhe cabia no monopólio legal da força e à organização inerente a seu cunho militar, rapidamente a PM se tornou mais importante do que os grupos de extermínio e esquadrões da morte “civis”. Setores da corporação passaram a ter ali um quase monopólio da violência usada para aterrorizar, extorquir, chantagear.

Essa trajetória se expandiria décadas depois nas milícias que dominam hoje numerosas áreas do território carioca, a pretexto de proteger favelas e bairros pobres contra traficantes, mas de fato substituindo-os.

Aqui, não foi a cultura do centro que se irradiou para a periferia. Foi o contrário. Coincidindo com a perda da principal função da cidade do Rio de Janeiro desde que Brasília se tornou a capital, sem que tenha havido um planejamento competente para a longa e socialmente dolorosa transição que se iniciou então, sem ter chegado até hoje a uma solução enquanto novos problemas, decorrentes de pesada perda de arrecadação, encontram a capital fluminense numa posição defensiva, não proativa.

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