O ex-presidente da Petrobrás,
ex-ministro das Minas e Energia e servidor durante 18 dos 21 anos de
regime militar, Shigeaki Ueki, 79 anos, depôs nesta quarta-feira (30/07)
à Comissão da Verdade "Rubens Paiva", da Assembléia Legislativa de S.
Paulo, sobre o caso do incêndio da Vila Socó – o incêndio com maior
número de vítimas de toda a história do Brasil, em que morreram pelo
menos 508 pessoas – na sua maioria pobres e negros, migrantes
nordestinos.
Ueki, que atendeu ao convite do presidente da Comissão, deputado
Adriano Diogo (PT/SP), depôs das 14h às 18h, e respondeu as perguntas do
próprio Diogo e dos participantes da mesa – os advogados Dojival
Vieira, Luiz Marcelo Moreira e André Simões Louro, da Comissão da
Verdade formada pela OAB de Cubatão para investigar a “Operação Abafa”
desencadeada pelo regime militar para acobertar o caso.
Segundo essa Comissão, graças a tentativa de acobertamento das
autoridades, à época, o número de mortos foi reduzido para 93, crianças
de até 12 anos foram excluídas da lista de indenizações e a
responsabilidade pelo incêndio jamais foi investigada com a garantia da
impunidade dos responsáveis – inclusive do próprio Ueki e outros
funcionários graduados da estatal.
A maioria das famílias receberam à título de indenização apenas valores
irrisórios pela perda de bens materiais. Os dois principais acusados – o
próprio Ueki e o então interventor nomeado pelos militares, José
Oswaldo Passarelli – não responderam a processo beneficiados por um
“habeas corpus” impetrado junto ao Tribunal de Justiça de S. Paulo.
O caso ocorreu na madrugada de 24 para 25 de fevereiro de 1.984, quando
cerca de 2 milhões de litros de combustível vazaram das tubulações que
passavam em frente à favela. Por volta das 030h da madrugada do dia 25,
um sábado, as chamas explodiram sobre o combustível que foi levado pela
maré cheia para debaixo das palafitas onde viviam cerca de 6 mil
pessoas.
Responsabilidade
Ueki admitiu que esteve ligado ao regime desde o primeiro governo
militar – do marechal Castelo Branco – e depois durante os Governos
Médici, Geisel e Figueiredo. “Nunca participei de força de repressão”,
afirmou. Ele justificou a adesão ao regime alegando que “testemunhou o
nosso país correr o risco de se tornar uma grande Cuba – um Cubão”,
acrescentou, provocando reações na platéia.
Questionado sobre o incêndio à favela, disse não aceitar que o número
de mortos tenha sido maior que os 93 oficiais e citou comunicados
mandados publicar pela Petrobrás nos principais jornais do país, - o
primeiro no dia 27 de fevereiro (dois dias após o incêndio) e o segundo
no dia 1º de março – colocando em cheque o “número despropositado de
mortos” e o que chamou de “sensacionalismo” da imprensa, que confirmavam
os dados da investigação conduzida pelo Ministério Público Estadual.
“Não posso acreditar que tenham sido 500 mortos. Cem já é suficiente”,
afirmou.
Operação Abafa
Depois de questionamentos do presidente da OAB Luiz Marcelo Moreira e
de André Simões Louro sobre aspectos técnicos do processo – que estava a
caminho de ser incinerado e foi desarquivado por iniciativa da Comissão
– Ueki foi questionado pelo advogado Dojival Vieira, para quem a
“Operação Abafa” ficou caracterizada pelo fato da Petrobrás jamais ter
assumido a falta de manutenção das tubulações, a ausência de zelo na
operação, que resultou no vazamento, no acobertamento do número de
vítimas e na garantia à impunidade dos responsáveis.
“Esperamos 30 anos pelo momento de lhe fazer as perguntas que o senhor
nunca ouviu, porque o senhor como homem do regime sempre foi muito
blindado e nem com a imprensa falava com frequência. Com todo o respeito
a sua pessoa, o senhor fala nesta audiência como um fiel servidor do
regime militar que prendeu, sumiu, matou e torturou centenas de pessoas.
No caso da Vila Socó, as vítimas foram uma população civil desarmada,
que simplesmente virou cinzas em um incêndio cuja responsabilidade nunca
foi assumida pela Petrobrás que estava sob sua direção”, afirmou
Vieira.
Ueki negou que tenha havido acobertamento de dados. “Não houve caixa
preta, não houve movimento de acobertamento ou de desvio para que se
encobrisse a verdade”, afirmou sem, no entanto, desmentir os dados
fornecidos pelas investigações, à época.
Segundo relatório dos promotores Marcos Ribeiro de Freitas e José
Carlos Pedreira Passos (já falecido), com base nos laudos periciais do
Instituto Médico Legal de Santos, haviam três hipóteses para o número de
mortos: na primeira foram 508 calculados da seguinte forma - 86 óbitos
documentados, com encontro de cadáver, mais um número estimado de 300
crianças de zero a três anos de idade, mais 122 crianças de 3 a 6 anos;
na segunda hipótese, seriam 631 mortos, considerando-se 86 óbitos
documentos, mais as 300 crianças de zero a três anos, além de 245 de 3 a
6 anos, que continuavam desaparecidas um mês após, e que na primeira
hipótese era consideradas apenas 122.
Finalmente, uma terceira hipótese, dava conta de que além das crianças
de zero a seis anos, tomadas em conjunto, somou-se um número não
determinado de adultos, além dos 86 corpos localizados, o que elevaria o
número para acima de 700 pessoas. Além disso foram registrados 27
feridos com lesões graves e outros cem, pelo menos, com lesões mais
leves.
Tomando-se por base a primeira hipótese de 508 mortos, que é o que
constou nos do processo, o número total de vítimas seriam de 635,
incluidos os feridos. As informações tiveram mais destaque na Imprensa
internacional, inclusive, em jornais como o The New York Times.
Indenizações
Ueki tentou ainda desacreditar os números alegando o porque das
famílias das vítimas não procurarem a Petrobrás buscando indenização,
sendo lembrado que a maioria dos moradores era composta de migrantes
nordestinos, que tinham se mudado para a Vila Socó, sem deixar parentes
nem contatos.
Sobre a exclusão de crianças de até 12 anos da lista de indenizáveis, o
ex-presidente da Petrobrás garantiu que determinou ao então diretor
responsável pela Refinaria Presidente Bernardes, José Joaquim Boarin (já
falecido), que pagasse todas as indenizações sem questionar valores.
Depoimentos de vítimas, contudo, asseguram que os que foram indenizados
receberam apenas pelos poucos bens materiais que se perderam no incêndio
e não pelos parentes mortos.
Depois de mais de quatro horas de iniciado o depoimento e das perguntas
e questionamentos, tanto dos participantes da mesa quanto do assessor
da Comissão Nacional da Verdade, Ivan Seixas, Ueki aceitou colaborar com
a Comissão da Verdade. “Estou à disposição para colaborar”, garantiu.
Ele pediu que os membros das Comissão façam questionamentos sobre os
pontos levantados para que possa fazer gestões junto a contatos que
mantém na direção da empresa para que toda a verdade sobre o episódio
seja esclarecida.
Segundo o deputado Adriano Diogo, o depoimento do ex-presidente da
Petrobrás ajudou a esclarecer dúvidas e foi importante para o
restabelecimento da verdade sobre o caso.
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