A sociedade brasileira precisa reinventar a esperança
A proposta de impeachment implica sérios riscos à
constitucionalidade democrática consolidada nos últimos 30 anos no
Brasil. Representaria uma violação do princípio do Estado de Direito e
da democracia representativa, declarado logo no art.1o. da Constituição
Federal.
Na verdade, procura-se um pretexto para interromper o mandato da
Presidente da República, sem qualquer base jurídica para tanto. O
instrumento do impeachment não pode ser usado para se estabelecer um
“pseudoparlamentarismo”. Goste-se ou não, o regime vigente, aprovado
pela maioria do povo brasileiro, é o presidencialista. São as regras do
presidencialismo que precisam vigorar por completo.
Impeachment foi feito para punir governantes que efetivamente
cometeram crimes. A presidente Dilma Rousseff não cometeu qualquer
crime. Impeachment é instrumento grave para proteger a democracia, não
pode ser usado para ameaçá-la.
A democracia tem funcionado de maneira plena: prevalece a total
liberdade de expressão e de reunião, sem nenhuma censura, todas as
instituições de controle do governo e do Estado atuam sem qualquer
ingerência do Executivo.
É isso que está em jogo na aventura do impeachment. Caso
vitoriosa, abriria um período de vale tudo, em que já não estaria
assegurado o fundamento do jogo democrático: respeito às regras de
alternância no poder por meio de eleições livres e diretas.
Seria extraordinário retrocesso dentro do processo de
consolidação da democracia representativa, que é certamente a principal
conquista política que a sociedade brasileira construiu nos últimos
trinta anos.
Os parlamentares brasileiros devem abandonar essa pretensão de
remover presidente eleita sem que exista nenhuma prova direta, frontal
de crime. O que vemos hoje é uma busca sôfrega de um fato ou de uma
interpretação jurídica para justificar o impeachment. Esta busca
incessante significa que não há nada claro. Como não se encontram fatos,
busca-se agora interpretações jurídicas bizarras, nunca antes feitas
neste país. Ora, não se faz impeachment com interpretações jurídicas
inusitadas.
Nas últimas décadas, o Brasil atingiu um alto grau de
visibilidade e respeito de outras nações assegurado por todas as
administrações civis desde 1985. Graças a políticas de Estado realizadas
com soberania e capacidade diplomática, na resolução pacifica dos
conflitos, com participação intensa na comunidade internacional, na
integração latino-americana, e na solidariedade efetiva com as
populações que sofrem com guerras ou fome.
O processo de impeachment sem embasamento legal rigoroso de um
governo eleito democraticamente causaria um dano irreparável à nossa
reputação internacional e contribuiria para reforçar as forças mais
conservadoras do campo internacional.
Não se trata de barrar um processo de impeachment, mas de
aprofundar a consolidação democrática. Essa somente virá com a
radicalização da democracia, a diminuição da violência, a derrota do
racismo e dos preconceitos, na construção de uma sociedade onde todos
tenham direito de se beneficiar com as riquezas produzidas no pais. A
sociedade brasileira precisa reinventar a esperança.
Assinam, entre outros: Antonio Candido; Alfredo Bosi; Evaristo de
Moraes Filho e Marco Luchesi, membros da Academia Brasileira de Letras;
Andre Singer; o físico Rogério Cézar de Cerqueira Leite; Ecléa Bosi;
Maria Herminia Tavares de Almeida; Silvia Caiuby; Emilia Viotti da
Costa; Fabio Konder Comparato; Guilherme de Almeida, presidente
Associação Nacional de Pós-Graduação em Direitos Humanos, ANDHEP; Maria
Arminda do Nascimento Arruda; Gabriel Cohn; Amelia Cohn; Dalmo Dallari;
Sueli Dallari; Fernando Morais; Marcio Pochman; Emir Sader; Walnice
Galvão; José Luiz del Roio, membro do Fórum XXI e ex-senador da Itália;
Luiz Felipe de Alencastro; Margarida Genevois e Marco Antônio Rodrigues
Barbosa, ex-presidentes da Comissão Justiça e Paz de São Paulo; os
cientistas políticos Cláudio Couto e Fernando Abrucio; Regina Morel; o
biofísico Carlos Morel; Luiz Curi; Isabel Lustosa; José Sérgio Leite
Lopes; Maria Victoria Benevides, da Faculdade de Educação da USP; Pedro
Dallari; Marilena Chaui; Roberto Amaral e Paulo Sérgio Pinheiro.
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