terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

JUSTIÇA DE SÃO PAULO ABSOLVE ALGOZES DE JANUÁRIO. MP DEVE RECORRER


Osasco/SP – A Justiça de Osasco, cidade da região metropolitana da Grande S. Paulo, absolveu os seis seguranças réus no processo de tortura ao vigilante da USP, Januário Alves de Santana, 45 anos, nas dependências do Hipermercado Carrefour.

Segundo a juíza da 2ª Vara Criminal, Márcia de Mello Alcoforado Herrero, os seguranças - Edson Pereira da Silva Filho, Macelo Rabelo de Sá, Luiz Carlos dos Santos, Anderson Serafim Guedes, Mário Lúcio Soares Moreira Gomes  Dárcio Alves Santos - que foram indiciados pelo crime de tortura motivada por discriminação racial com base na Lei 9.455/97 - não cometeram crime.

O caso aconteceu no dia 07 de agosto de 2009, e teve intensa repercussão dentro e fora do país. Januário estava acompanhado da família – a mulher, Maria dos Remédios, dois filhos menores, uma irmã a cunhada – e foi ao hipermercado para fazer compras, na direção do Ford/Ecosport de placas DXP-7608/Osasco, como fazia regularmente. Suspeito do roubo do próprio carro foi perseguido, dominado, levado a um corredor e espancado barbaramente por cerca de 30 minutos.

Tortura

Por causa dos espancamentos – uma sessão de socos, ponta-pés e tentativas de esganadura para que confessasse que estava “puxando carros no estacionamento” -, o vigilante sofreu fratura em três partes no maxilar esquerdo, tendo que passar por cirurgia no Hospital Universitário da USP.

Diante da enorme repercussão do caso, o Carrefour demitiu os agressores (que atuavam como funcionários da Nacional Segurança) e indenizou Januário, assumindo a responsabilidade no plano civil. A condenação penal dos acusados era esperada diante das provas existentes no Inquérito Policial, inclusive o laudo com as provas das lesões de natureza grave sofridas pelo vigilante.

O delegado que presidiu a investigação, Léo Francisco Salem Ribeiro, do 9º DP de Osasco, denunciou os agressores por “tortura motivada por discriminação racial”, com base na Lei 9.455/97 – a Lei da Tortura. Segundo o delegado “restou cristalino que Januário Alves de Santana foi submetido a intenso sofrimento físico e mental a fim de obter sua confissão. Angustiante perceber que (o que motivou) a empreitada foi a discriminação racial", afirma no despacho em que formaliza o indiciamento, que foi juntado ao Inquérito 302/2009.“Os algozes pretendiam humilhar e dilacerar a alma da vítima, pois diziam “cala a boca, seu neguinho (...) Nós vamos te matar de porrada”. Santana oscilou em intervalos de lucidez e perda de consciência oriundos da tortura sofrida”, acrescentou o delegado no despacho, apontando “o emprego de violência para obter informação ou confissão, em razão de discriminação racial”, conforme prevê a Lei da Tortura.

O delegado, também concluiu no Inquérito que os três policiais militares que atenderam a ocorrência, sob o comando do soldado José de Pina Neto, praticaram o crime de omissão de socorro, previsto no art. 135 do Código Penal brasileiro.

A denúncia foi, posteriormente, recebida pelo Ministério Público e pela Justiça de Osasco, menos em relação aos policiais, nem mesmo em relação a omissão de socorro apurada na investigação.

Se fossem condenados, os réus no processo poderiam pegar penas que variavam de 4 a 10 anos de reclusão.

Perplexidade e tristeza

A absolvição dos acusados causou perplexidade.  Para o advogado do vigilante da USP, Dojival Vieira dos Santos, que atua como assistente de acusação do MP, a sentença contraria a prova dos autos: “Tenho muito respeito pelas decisões judiciais, mas não posso deixar de registrar que, como cidadão brasileiro e como advogado militante, a decisão só pode ser recebida com desapontamento e tristeza por todos os que esperavam Justiça”, afirmou. Ele disse que aguardará o pronunciamento do Ministério Público para se manifestar oficialmente no processo, mas adiantou que usará todos os recursos e atribuições que a Lei garante ao assistente de acusação para que a sentença seja reformada, a impunidade não prevaleça e a Justiça seja feita.

A promotora Maria do Carmo Galvão de Barros Toscano havia denunciado quatro dos seis acusados pelo crime de tortura, porém, retirou a alínea “c”, da Lei 9.455/97, que trata da motivação racial, e pediu que os réus Edson, Marcelo, Luiz e Anderson, a quem denunciou por tortura cumprissem pena em regime inicialmente fechado “uma vez que se trata de crime equiparado a hediondo, praticado de forma violenta contra a vítima, a qual sofreu lesões de natureza grave, devendo, portanto, ser punido de forma mais rigorosa”.

Impunidade

O advogado de Januário, ao se manifestar após a audiência de instrução e julgamento, pediu o aditamento da denúncia para que fosse considerada a motivação racial (alínea “c” da Lei 94.55/97, conforme o apurado na fase do Inquérito), e a inclusão dos policiais que atenderam a ocorrência, em especial, o PM José Pina Neto.

Pina Neto, que já está aposentado, ao chegar para atender a ocorrência, tentou convencer o vigilante a confessar “por ter cara de ter pelo menos três passagens”. A juíza na sentença, porém, desconsiderou os argumentos.

“Admira-se o empenho da Assistência de Acusação e o envolvimento da sociedade civil no debate; porém, feito criminal demanda, como já foi dito, provas sólidas, que não se veem aqui, até porque, ao final, não se atribuiu a qualquer dos Réus, a contento, intuito de extração de confissão, dispersando-se a acusação, à Polícia (a componente de seus quadros), que, já à época, não foi responsabilizada, menos ainda cabendo sua responsabilização criminal agora, sendo, eventual debate em outra esfera independente”, finalizou.

Veja matéria da TV Record com a reconstituição do caso.


NOTA DA REDAÇÃO:


Todas as reportagens envolvendo este caso e outros em que o jornalista Dojival Vieira atua como advogado, são de responsabilidade da equipe de jornalistas que integram a Redação da Afropress.