sexta-feira, 26 de agosto de 2016

MIRANTE 9 DE JULHO: EXPLORAÇÃO PRIVADA DO ESPAÇO PÚBLICO

Mirante 9 de Julho fica embaixo do Viaduto Professor Bernardino Tranchesi e sobre o túnel da avenida Nove de Julho. Foto: AG.

Da AG Jornalismo

Por menos de R$ 170 mil por mês, um consórcio encabeçado pelo empresário Facundo Guerra foi autorizado pela prefeitura de São Paulo a explorar comercialmente uma área pública da cidade. O espaço, nos baixos do Viaduto Professor Bernardino Tranchesi e seu entorno, fica em um quarteirão da avenida Paulista, atrás do MASP (Museu de Arte de São Paulo), uma das regiões com o metro quadrado comercial mais caro da capital, segundo o Índice Fipe-ZAP – o aluguel de um conjunto comercial de 420 m2 na avenida Paulista pode ultrapassar R$ 35 mil; a área explorada pelo consórcio tem mais de 4.000 m2, contabilizando espaços externos e internos.

Por meio de um termo de cooperação, a prefeitura permitiu que o consórcio Belvedere Mirante Nove de Julho, liderado por uma empresa de Guerra, explorasse comercialmente todo o complexo do viaduto por 36 meses, tendo como contrapartida a reforma do espaço e a realização de atividades culturais e educacionais. O valor do investimento pelo consórcio é de R$ 6.090 milhões ao longo dos três anos de contrato.

Batizada de Mirante 9 de Julho, a nova atração paulistana mistura café, restaurante, galeria e espaço para shows e cinema ao ar livre, e faz sucesso entre a classe média jovem e branca da cidade. Hoje, 23 de agosto, o Mirante completa um ano de existência.

Quem faz a cidade?

Três dias depois da inauguração do Mirante 9 de Julho, o AG Jornalismo fez um pedido à sub-prefeitura Sé, via Lei de Acesso à Informação (LAI), requerendo acesso integral ao processo administrativo 2014-0.156.247-3, que contém os documentos da parceria entre a prefeitura e o consórcio Belvedere. Contrariando a lei federal, o órgão negou o pedido reiteradamente, mesmo após duas interposições de recurso e cerca de dois meses de espera (confira relatos aquiaquiaquiaqui e aqui). O site só conseguiu acesso aos documentos após contar com a ajuda do advogado ativista Daniel Biral. Ele se dispôs a acompanhar a reportagem à Secretaria Municipal de Cultura, para onde havia sido enviado o processo administrativo, e pedir vistas como advogado.

O AG fotografou as quase 400 páginas do documento disponíveis até aquele momento, divididas em dois volumes. Em seguida, analisou uma por uma, e as submeteu também à análise em entrevistas com advogadas e advogados, alguns deles atuantes na área de contratos públicos. Além disso, a reportagem enviou 13 perguntas à sub-prefeitura Sé pedindo esclarecimentos sobre algumas informações do processo administrativo.

Como tem sido desde o início dos trabalhos do AG em 2013, o objetivo da reportagem sobre a implementação do Mirante 9 de Julho foi entender quais forças econômicas, políticas e culturais disputam o espaço público; quais argumentos sustentam essa disputa e como eles aparecem nos documentos e discursos oficiais. Saber quem disputa a cidade, e com quais ferramentas, pode fornecer subsídios para debates públicos mais qualificados.

Confira a seguir a reportagem especial produzida pelo AG sobre as tratativas entre a prefeitura e o consórcio de empresas liderado por Facundo Guerra para a exploração privada do espaço público. Se quiser fazer suas próprias análises, o processo administrativo está integralmente disponível para download aqui (documentos 1 a 5), aqui (documentos 6 a 9) e aqui (documentos 10 a 13). No final dessa reportagem você encontra as respostas completas da sub-prefeitura Sé às perguntas feitas pelo AG via LAI.

Antes do Mirante, Projeto Tesourinha

O primeiro achado do AG Jornalismo aponta a existência de um projeto completamente diferente para o Viaduto Professor Bernardino Tranchesi antes de ele ser transformado no empreendimento comercial Mirante 9 de Julho. Trata-se do Projeto Tesourinha, idealizado em 1992 pelo cabeleireiro Ivan Stringhi. O projeto oferece cursos gratuitos de depiladora, cabeleireira, manicure e maquiadora a pessoas de baixa renda. Desde 2002, a sede do Tesourinha fica nos baixos do viaduto que passa sobre a avenida Bandeirantes, zona sul da cidade. Em março de 2011, conforme consta no Diário Oficial do Município, o projeto recebeu autorização da sub-prefeitura Sé para realizar os cursos também nos baixos do Viaduto Professor Bernardino Tranchesi, mas o plano não foi adiante. “A gente ficou um tempo lá, mas sem poder fazer nada. A gente deu uma limpada, uma pintada, mas quando começou a mexer na estrutura, ficava muito caro para colocar luz, água, reformar, e a gente não conseguiu parceiro pra isso”, contou ao AG o idealizador do Tesourinha, Ivan Stringhi.


Placa do Projeto Tesourinha no Viaduto Professor Bernardino Tranchesi. Foto: Gustavo Guimarães.

Em maio de 2013, a sub-prefeitura Sé revogou a autorização para realização do Tesourinha no viaduto atrás do MASP. O motivo, segundo consta no Diário Oficial do Município, seria o “não atendimento às disposições previstas no decreto 48.378/2007.” Durante dois meses, o AG tentou obter acesso ao processo administrativo do Projeto Tesourinha junto à sub-prefeitura Sé para saber por que, exatamente, a autorização foi revogada. Os funcionários do órgão, porém, alegaram não ter encontrado o documento físico nos arquivos mesmo após ampla busca.

Questionado sobre o porquê da revogação pela sub-prefeitura Sé, o diretor do Projeto Tesourinha disse: “a gente tem uma parceria boa com eles, e você sabe que não dá pra ficar discutindo com quem manda. No fundo eles acabam tirando [a autorização] sem motivos, né? Então eu prefiro ficar de boa. Começaram a falar que precisavam do espaço.”

Em reportagem publicada pelo site Hypeness em 2015, o empresário Facundo Guerra informou que o projeto do Mirante 9 de Julho havia sido pensado durante quatro anos até sair do papel – portanto, desde 2011. O edital de chamamento público para as empresas interessadas em reformar o mirante foi publicado apenas em meados de 2014.

Sub-prefeitura Sé omite informação no edital

Em 30 de agosto de 2014, a sub-prefeitura Sé tornou público, no Diário Oficial do Município, o edital de chamamento para as empresas interessadas em reformar o Viaduto Professor Bernardino Tranchesi. O edital fala apenas em “interessados da iniciativa privada”, mas não explicita a possibilidade da formação de um consórcio de empresas. Informar que a participação de consórcios é permitida é essencial para garantir a igualdade de condições entre as empresas concorrentes, que podem decidir disputar o edital sozinhas ou unidas em um consórcio.

Participaram do certame três empresas e um coletivo: M. Strauss Arquitetura e Engenharia, Restaurante Vegetariano Apfel Suíço, Skyarts e o Coletivo Ciclistas Bonequeiros. A proposta vencedora foi a apresentada pelo escritório M. Strauss, que tem no currículo os projetos da PanAM, Cine Joia, Club Yacht e Lions Club, todos empreendimentos de Facundo Guerra, e o próprio apartamento do empresário. A proposta apresentada pelo M.Strauss incluía a participação conjunta das empresas FGAA, de Facundo Guerra e do chef Alex Atala, e do Instituto Choque Cultural, do curador Baixo Ribeiro. Somente após a finalização do certame é que o consórcio Belvedere Mirante Nove de Julho foi constituído pelas empresas M.Strauss, Instituto Choque Cultural, FGAA, além da Barong Creative, que representa as empresas do Grupo Vegas, de Facundo Guerra, e pela empresa Belvedere Nove Espaço de Eventos Ltda, criada em março de 2015 e da qual Guerra é sócio majoritário. No consórcio, a Belvedere Nove Espaço de Eventos Ltda é a empresa líder.

A reportagem ouviu os outros três participantes da disputa do edital, e todos foram unânimes em dizer que não sabiam da possibilidade de formação de consórcio. Conforme explica o advogado Daniel Astone, atuante na área de contratos públicos, o consórcio, por definição, é proibido. “Ele só é autorizado se tiver previsão no edital com uma série de critérios formais, porque durante muito tempo se usou consórcio para ocultar empresas que não poderiam participar de licitação ou empresas que estavam ligadas a políticos no poder. Então, para regulamentar esse tipo de coisa, as regras do edital têm que prever uma série de itens obrigatórios, de percentual de responsabilidade, de quem executa o quê. Não é assim ‘ah, tivemos uma ideia legal aqui, vamos todo mundo se juntar e fazer’. Isso é proibido. Se não tem consórcio previsto e regulamentado no edital, não pode ter.” Ainda que a administração argumentasse que não se trata de uma licitação no sentido estrito da lei de licitações, e sim de um edital de chamamento, o advogado informou que a lei de licitação, que é federal, é usada como analogia para todo tipo de contratação pública.

A reportagem questionou a sub-prefeitura Sé sobre o porquê de não ter informado publicamente no edital que os concorrentes poderiam constituir um consórcio. “O edital previu a participação de pessoa jurídica”, respondeu o órgão. A resposta contém um erro grave, segundo Astone. “Consórcio não épessoa jurídica. Consórcio, para fins do Direito Administrativo, é ente despersonalizado. Se [o edital] prevê participação de pessoa jurídica, então não pode ser consórcio o contratado direto da prefeitura. Aqui tem um problema de definição que só reforça a proibição do consórcio pela ausência de regulamentação. Esse tipo de formação de consórcio, o consórcio posterior, ainda mais sem previsão, é o que fundamentou todo o cartel do metrô, por exemplo. Eu ganho, e você que entrou comigo só pra ajudar a fazer preço, para ter três empresas no leilão, eu subcontrato e todo mundo divide o dinheiro. Fica muito fácil, né? Então é muito razoável pensar que do jeito que estava ali, quem ganhasse poderia chamar o restante, já que se formou esse consórcio.”

Outra pergunta feita ao poder público foi sobre a legalidade da formação do consórcio posterior ao resultado do certame. “Como na proposta [a empresa M.Strauss] mencionava a hipótese [de formar consórcio], caso fosse vencedora (…), tornou-se mais um dos critérios vinculadores perante a Administração Pública”, respondeu a sub-Sé.

Daniel Astone faz uma ressalva sobre esse argumento do poder público. “Por exemplo, se aparece uma proposta com consórcio, e eles acham que o consórcio é uma boa ideia, eles podem, nesse momento, republicar o edital para fazer uma alteração de uma linha, dizendo que não estava previsto antes, mas que agora pode ser consórcio. Ainda que isso pegue mal, está resolvido: você abre para todo mundo a possibilidade de entrar com o consórcio. [No caso do edital em questão] eles estão reconhecendo que não tinha [possibilidade de consórcio], e que foi tudo em função da proposta recebida. Isso é bem fraco [em termos de argumento jurídico].”

O AG também perguntou à sub-prefeitura se o órgão acredita que a competição teria sido diferente caso as empresas interessadas tivessem sido avisadas publicamente no edital sobre a possibilidade de formar consórcio. “A Administração Pública somente esclarece fatos e atos objetivos”, foi a resposta.

Prefeitura escolhe não cobrar empresa privada pela exploração comercial do espaço público

Quando, em 2011, o Projeto Tesourinha foi autorizado pela prefeitura a implementar as atividades sociais no Viaduto Professor Bernardino Tranchesi, a permissão foi dada com base no decreto 48.378/2007. Trata-se de um instrumento legal que regulamenta a cessão da área nos baixos dos viadutos municipais, e que prevê a exploração comercial desses espaços por empresas privadas, ou o uso não comercial, como seria o caso do Projeto Tesourinha.

De acordo com o decreto, o permissionário que utilizar o baixo do viaduto para fins comerciais deve pagar ao município um valor mensal. O valor, segundo o próprio decreto, seria calculado “com base em pesquisa prévia de mercado, levando em conta a área e a importância de sua localização comercial.” Ainda de acordo com esse decreto, 2/3 do que o município arrecadar irá para o Fundo Municipal de Habitação (FMH), “com a finalidade de construção de habitações para reinstalação de famílias removidas dos baixos de pontes e viadutos.” O 1/3 restante irá para o Fundo Municipal de Assistência Social (FMAS), “com a finalidade de investimento em alternativas de acolhida da população em situação de rua, especialmente para o financiamento de moradias provisórias.”

Mesmo podendo gerar receita para lidar com a grave questão do déficit habitacional e das demandas urgentes da população em situação de rua – segundo última contagem encomendada pelo município, há quase 16 mil pessoas vivendo nas ruas da capital –, a prefeitura abriu mão dessa possibilidade. Isso porque optou por outros decretos para regular a cessão dos baixos do viaduto a ser explorado comercialmente pelo consórcio de Facundo Guerra.

Os decretos escolhidos foram o 52.062 e o 40.384. Nenhum deles prevê a exploração comercial de espaços públicos, muito menos a arrecadação de valor mensal para os cofres municipais.

Questionada pelo AG sobre não ter utilizado o decreto 48.378/2007, a sub-prefeitura Sé respondeu que fez essa escolha por considerar “que a intervenção pretendida não se restringe somente aos baixos do Viaduto, recaindo sobre praças e canteiros laterais, iluminação, escadarias, chafarizes próximos ao túnel Nove de Julho.” Sobre isso, o advogado Daniel Astone afirmou que a prefeitura poderia ter feito o edital com base no que gera receita, e incluiria o restante de praças, canteiros e iluminação como conjunto de baixos de viadutos naquele local específico. Considerando que a falta de receita é um problema crônico para o município, e que havia a possibilidade legal de levantar esse dinheiro, a sub-prefeitura Sé tomou uma decisão “que não é muito racional”, disse Astone ao AG.
Mirante abriga festas promovidas por empresas como a transnacional Ray Ban. Foto: I hate flash
A reportagem também perguntou à sub-Sé como a administração justifica o fato de os decretos utilizados não preverem a exploração comercial e, ainda assim, o edital permitir que o vencedor do certame o faça. O órgão respondeu que “o objeto do edital não é a exploração comercial, e sim, a revitalização urbanística, paisagística de todo o complexo composto do baixo, jardins, fontes e entorno, bem como o desenvolvimento sócio cultural e sócio educacional. (…) A possibilidade de exploração de porção do local é possível como contrapartida dos serviços e obras propostos, executados e em execução.”

Nessa resposta a administração “deu um tiro no pé”, afirma Astone. “Se eles permitiram que a exploração comercial fosse um critério de contrapartida, você teria que ter algum tipo de estudo de mercado para poder dizer qual é o potencial disso para ter um parâmetro de valor da contrapartida” – exatamente como estabelece o decreto 48.378, que a gestão municipal preferiu não utilizar. “Porque se o negócio tem o potencial de render R$ 50 milhões ao longo de dez anos e você faz uma concessão de 6 milhões, tem um vazio muito grande aí. Teria que ter um estudo para servir de parâmetro, senão o critério de decisão de contrapartida fica completamente subjetivo, o que não pode ter, por definição, em licitações e análogos.”

A contrapartida do consórcio vencedor foi um aporte de R$ 6.090 milhões ao longo de 36 meses – menos de R$ 170 mil por mês. Ao ser questionada sobre quais parâmetros utilizou para considerar que esse era um bom valor, a sub-prefeitura Sé respondeu que o montante atende ao interesse público por se tratar do maior valor de investimento na região em comparação com as propostas feitas pelos demais concorrentes.
Sessão de cinema no Mirante com exposição de marca do whisky irlandês Jameson. Foto: I hate flash
Diante dessa afirmação, surgem algumas questões:

1) Ao falar sobre a exploração comercial de um espaço público localizado em uma das regiões mais valorizadas da cidade, é razoável argumentar que um valor de contrapartida é suficiente apenas porque ele foi o maior apresentado em comparação com outros valores aleatórios e sem qualquer parâmetro mínimo?

2) Como saber que o projeto atende ao interesse público se a própria sub-prefeitura Sé admitiu que não realizou debates com a população local para saber que tipo de intervenção era considerada prioritária para a região?

3) Por que a ênfase em proporcionar o maior valor de investimento na região, uma vez que o Viaduto Professor Bernardino Tranchesi está em uma das áreas mais ricas e bem servidas de infraestrutura da cidade?

“Revitalização urbanística” ou apenas exploração comercial do espaço?

Em pelo menos duas das respostas enviadas ao AG, a sub-prefeitura Sé insistiu no fato de que o objeto do edital vencido pelo consórcio não era a exploração comercial do viaduto, e sim a “revitalização” do espaço.

Para o advogado Rodrigo Sérvulo da Cunha, membro do Conselho Participativo Municipal e presidente do Coletivo Advogados para Democracia, o que está claro nesse caso “é que o consórcio que administra o local está apenas explorando o mesmo, não se verificando o cuidado devido no entorno, como por exemplo a situação de abandono dos chafarizes/fontes.” O AG esteve no Mirante 9 de Julho no dia 14 de agosto, domingo, e apurou que os itens mencionados por Cunha não passaram por reformas como previsto em edital.

Empresa Isso é café” explora comercialmente o Mirante. Foto: I hate flash
Na proposta enviada pela M. Strauss Arquitetura e Engenharia à sub-prefeitura Sé por ocasião do edital, o escritório apresenta um plano de execução do projeto do Mirante dividido em 5 fases. A primeira corresponde ao que já está feito e que serve à imediata exploração comercial do espaço. A fase 2 corresponde à recuperação das praças dos chafarizes com paisagismo, jardinagem, iluminação, pintura e sistema hidráulico. A execução da fase 2 estava prevista para acontecer em até 10 meses, contados “após aprovação nos órgãos de proteção ao patrimônio e demais órgãos envolvidos.” Por meio do número do processo administrativo do edital do Mirante, o AG consultou o Diário Oficial do Município de São Paulo no último dia 15 de agosto e não encontrou nenhuma atualização a respeito da execução das 5 fases do projeto.
Trecho do projeto enviado à sub-Sé com detalhamento das 5 fases de reforma do Mirante. Foto: AG
“Para além das irregularidades apontadas no ato da contratação, quanto à execução em si está claro o inadimplemento por parte do vencedor do certame, cabendo a rescisão contratual seguindo o disposto no artigo 78 da lei de licitações”, diz o advogado. O artigo 78 prevê diversos motivos para a rescisão do contrato, como o não cumprimento, cumprimento irregular ou lentidão no cumprimento de cláusulas contratuais, especificações, projetos ou prazos; o atraso injustificado no início da obra, serviço ou fornecimento, entre outros motivos.

Para onde foram os moradores do viaduto?

Em reportagem publicada pelo site Hypeness há a informação de que pessoas em situação de rua que ocupavam os baixos do viaduto antes da reforma foram retiradas dali pela prefeitura. Em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, o arquiteto Marcos Paulo Caldeira, do escritório M. Strauss, disse que “o local estava pintado de azul, vermelho e amarelo, tinha tapumes e casinhas dentro. Quinze pessoas moravam lá”.

O AG procurou a SMADS (Secretaria Municipal de Desenvolvimento e Assistência Social) para saber em qual dia e mês foram feitas as abordagens das pessoas que vivam nos baixos do viaduto, quantas eram, idade e gênero dessas pessoas e qual o encaminhamento dado a cada uma delas. A reportagem pediu, ainda, um relatório completo das abordagens feitas. A pasta enviou uma planilha com dados gerais das abordagens de janeiro a junho de 2015. Nenhuma das informações contidas no documento, porém, responde às perguntas feitas pelo AG. Confira aqui a planilha na íntegra.

A reportagem fez contato com o escritório M. Strauss, proponente oficial do projeto do Mirante 9 de Julho. Orientado pela empresa, o AG enviou as perguntas para o e-mail de Marcos Paulo Caldeira. Até o fechamento desse texto, nenhum retorno foi dado ao site.
Exposição de estreia no Mirante teve fotos do Coletivo Rolê. Foto: AG
No detalhe: foto de pessoa em situação de rua, em tamanho natural, deitada no chão da galeria do Mirante. Foto: AG
AG tentou entrevistar o proponente e vencedor oficial do certame, mas não teve retorno.

PERGUNTAS FEITAS À SUB-PREFEITA SÉ VIA LEI DE ACESSO À INFORMAÇÃO

1) O referido edital de chamamento público, publicado em 30 de agosto de 2014 no Diário Oficial do município, se dá nos moldes dos decretos número 52.062, de 30 de dezembro de 2010, e 40.384, de 3 de abril de 2001. Qual a justificativa dada pela Subprefeitura Sé para não utilizar, neste edital de chamamento, o decreto 48.378/2007, que dispõe especificamente sobre a cessão de uso das áreas localizadas nos baixos de pontes e viadutos municipais e que ainda permite, conforme dispõe o artigo 16 do referido decreto, que o município arrecade verba pelas cessões de uso para exploração comercial?
A Subprefeitura optou em não utilizar o Decreto 48.378/2007, considerando que a intervenção pretendida não se restringe somente aos baixos do Viaduto, recaindo sobre praças e canteiros laterais, iluminação, escadarias, chafarizes próximos ao túnel Nove de Julho.

 2) O decreto 52.062/2010 não prevê exploração comercial. No entanto, o referido chamamento público, que está dado nos moldes do decreto 52.062/2010, permite ao vencedor “explorar comercialmente porção do local”. Como a Suprefeitura Sé justifica este fato?
O objeto do edital não é a exploração comercial, e sim, a revitalização urbanística, paisagística de todo o complexo composto do baixo, jardins, fontes e entorno, bem como, o desenvolvimento sócio cultural e sócio educacional. O vencedor fica obrigado a realizar a zeladoria, manutenção e limpeza da mencionada área, proporcionar a revitalização e manutenção das fontes históricas e a ativação do local pelo desenvolvimento sócio cultural e sócio educacional em caráter gratuito ofertado a quem se interessar. A possibilidade de exploração de porção do local é possível como contrapartida dos serviços e obras propostos, executados e em execução. Desde que não condicionada ao conteúdo oferecido, isto é, qualquer pessoa tem acesso ao local e sua programação gratuitamente, não sendo obrigada a consumação no local, que pode ocorrer de maneira facultativa.

 3) O edital de chamamento não deixa expresso que os interessados na parceria com o município podem ser empresas e/ou consórcios. Por que a Subprefeitura Sé optou por não tornar expressa esta informação no edital de chamamento?
O edital previu a participação de pessoa jurídica. E, quando da proposta de uma única pessoa jurídica que declarou o comprometimento em constituir um consórcio para melhor execução do objeto, caso viesse a ser a vencedora. E, por ser o consórcio é uma composição onde estabelece a participação pela atividade especifica de cada pessoa jurídica para execução do objeto, inclusive, possibilitando a participação de micro-empresas e empresas de pequeno porte, bem como, o procedimento de escolha objetiva da melhor proposta ocorreu entre pessoas jurídicas individuais, não havendo prejuízo aos concorrentes.

 4) A Subprefeitura Sé acredita que a competição teria sido diferente caso todos os interessados soubessem, expressamente, a partir do edital de chamamento público, da possibilidade de formar consórcios?
A Administração Pública somente esclarece fatos e atos objetivos.

 5) Com base em quais fundamentos jurídicos a Subprefeitura Sé permitiu que a empresa vencedora [M.Strauss Arquitetura Engenharia e Participações LTDA] formasse um consórcio [Consórcio Belvedere Nove Espaço Ltda] após a conclusão da fase competitiva?
As propostas vincularam todos os “projetos” apresentados para a análise da Comissão, de igual forma, as ponderações técnicas, os objetivos propostos convergentes com a finalidade do edital e demais elementos que contribuíram para a escolha da melhor proposta e, por conseqüência, o prosseguimento das anuências do projeto vencedor. E, como na proposta mencionava a hipótese, caso fosse vencedora, da composição de consórcio para melhor execução dos objetivos propostos, tornou-se mais um dos critérios vinculadores perante a Administração Pública.

 6) De acordo com a portaria número 028/SP-SÉ/GAB/2015, publicada no Diário Oficial do Município em 1 de agosto de 2015, o subprefeito da Sé, Alcides Araujo dos Santos, autoriza a utilização de área municipal localizada nos baixos do Viaduto Bernardino Tranchesi pelo Consórcio Belvedere Nove Espaço Ltda, vencedor do chamamento público número 2014-0.156.247-3. Essa autorização do subprefeito da Sé é dada “em caráter precário, provisório e gratuito”. No entanto, o edital de chamamento público divulgado em 30 de agosto de 2014 informa que a subprefeitura Sé concederá cessão da referida área “em caráter precário, provisório e oneroso”. Como a subprefeitura justifica esta diferença essencial (oneroso/gratuito) entre o que foi expresso no chamamento público e o que foi acordado com o vencedor após terminada a competição?
A vinculação a qualquer participante de procedimento licitatório é o edital onde estabelece os requisitos e condições para a participação, escolha e execução do objeto descrito. Esclarece que o caráter oneroso não se restringe somente ao pagamento em dinheiro, recai também na prestação de serviços e obras que desonerem a Administração Pública. Quando os participantes declaram o interesse de concorrer em um certame, esta demonstração de interesse vincula a execução dos objetivos pretendidos e o que mais foi afirmado na proposta. Logo, o edital previu diversas obrigações para o vencedor com zeladoria, como conservação, manutenção e limpeza, revitalização urbanística, paisagística daquele local para revitalizar o uso da edificação e de todo complexo ao entorno com suas praças e canteiros laterais, iluminação, escadarias, chafarizes próximos ao túnel Nove de Julho, do mesmo modo, o desenvolvimento de atividades sócio-culturais e ou sócio educacionais. E, ainda a obrigação de integrar e incorporar ao patrimônio público pela doação de bens e serviços a Municipalidade. Logo, a expedição da autorização tem caráter precário, provisório e gratuito, porém, tendo por objetivo desenvolver projeto urbanístico sócio cultural, com a finalidade de assegurar a recuperação, conservação, manutenção e limpeza, bem como, manter a proteção e preservação do local, para que possa nesse ínterim desenvolver atividades sócio-culturais.

 7) A Subprefeitura Sé realizou debates públicos para conhecer a opinião dos moradores, trabalhadores e frequentadores da região para saber o que consideravam prioritário/necessário para a área de intervenção? Se sim, solicito as datas em que foram realizados esses debates, locais, listas de presença, tabulação do conteúdo dos aportes feitos pela população e lista dos meios pelos quais a possibilidade de participação foi divulgada publicamente. 
A Constituição Federal determina a competência do Município para promover o adequado ordenamento territorial e a Lei Geral de Licitação somente obriga a audiência prévia quando o valor estipulado para a licitação seja superior a cem vezes o valor de um milhão e quinhentos mil reais. Para o mencionado local havia diversas reclamações acerca da insegurança dos moradores e transeuntes daquela região e dos crimes que ali ocorriam como agressões, furto, roubo, receptação, estupro, tráfico entre outros delitos.

 8) A Subprefeitura Sé dispõe de estudos capazes de mostrar o potencial da exploração comercial – nos moldes previstos no chamamento público – de uma área como esta que é objeto do procedimento administrativo número 2014-0.156.247-3? Se sim, solicito acesso a esse estudo.
O edital não tem como finalidade a exploração comercial, e sim resgatar e devolver aquele espaço público para as pessoas, pela a revitalização urbanística, paisagística de todo o complexo composto do baixo, jardins, fontes e entorno, bem como, o desenvolvimento sócio cultural e sócio educacional. O vencedor fica obrigado a realizar a zeladoria, manutenção e limpeza da mencionada área, proporcionar a revitalização e manutenção das fontes históricas e a ativação do local pelo desenvolvimento sócio cultural e sócio educacional em caráter gratuito ofertado a quem se interessar. A possibilidade de exploração de porção do local é possível como contrapartida dos serviços e obras propostos, executados e em execução. Desde que não condicionada ao conteúdo oferecido, isto é, qualquer pessoa tem acesso ao local e sua programação gratuitamente, não sendo obrigada a consumação no local, que pode ocorrer de maneira facultativa.

9) A empresa vencedora comprometeu-se com um aporte de pouco mais de R$ 6 milhões a serem investidos na área que é objeto do chamamento público. Com base em quais parâmetros a Subprefeitura Sé considera que este é um bom valor [e não aquém ou além] a ser investido na área? 
Como estabelecido no edital como contrapartidas que melhor atendam ao interesse público e proporcionem o maior valor de investimentos na região, dentre as diversas propostas, trouxeram várias estimativas de valores que variaram da afirmação que o valor da verba para a manutenção contínua do espaço produzida com o chapéu passado nas atividades até o máximo valor de seis milhões e noventa mil reais.

 10) Em 1 de agosto de 2015, foi publicada no Diário Oficial do Município a portaria 028/SP-SP/GAB/2015, resolvendo, entre outras coisas, autorizar “em caráter precário, provisório e gratuito, a utilização de área municipal localizada nos baixos do Viaduto Bernardino Tranchesi situado na Praça Geremia Lunardelli, n° 06, de aproximadamente 400m2, nos termos do artigo 114, § 5 o da Lei Orgânica do Município, pelo vencedor do Chamamento Público Consórcio Belvedere Nove Espaço Ltda., CNPJ: 22.064.799/0001-12, por meio do Processo Administrativo no. 2014-0.156.247-3 […]” No entanto, o vencedor do referido chamamento público foi a empresa M. STRAUSS ARQUITETURA E ENGENHARIA., conforme publicado no Diário Oficial no dia 11/11/14 e ratificado também no D.O. em 27/11/14. Com base nessas informações, pergunto: Por que esta sub-prefeitura publicou a portaria 028/SP-SP/GAB/2015 alterando o nome da empresa vencedora?
A proposta da participante M. Strauss Arquitetura estabelecia e informava, naquele ato, e o compromisso de constituição do consórcio com os demais consorciados como parceiros na execução do objeto, se porventura fosse vencedora. Assim ocorreu, com a efetiva formalização do contrato de consórcio.

 11) Em que bases jurídicas apoiou-se a sub-prefeitura para fazer essa alteração?
E, como dito anteriormente, na proposta informava a denominação dos demais componentes do pretendido consórcio, caso fosse vencedora, para melhor execução dos objetivos propostos, tornando-se assim, mais um dos critérios vinculadores perante a Administração Pública. Deve-se deixar claro que não houve alteração, pois as propostas, no momento da entrega, vincularam todos os “projetos” apresentados para a análise da Comissão, de igual forma, as ponderações técnicas, os objetivos propostos e demais elementos que contribuíram para a escolha da melhor proposta. E, por conseqüência, a vinculação destas ao procedimento no prosseguimento das anuências para o projeto vencedor.

 12) O referido “Consórcio Belvedere Nove Espaço Ltda., CNPJ: 22.064.799/0001-12”, citado pela subprefeitura na portaria 028, não é um consórcio, e sim uma sociedade limitada. Por que, e com qual embasamento jurídico, a sub-prefeitura chama de consórcio uma sociedade limitada?
A Lei permite a constituição do consórcio entre quaisquer sociedades, que se reúnam para executar determinado objeto, despido de personalidade jurídica, constituído mediante contrato, por meio do qual ocorre a associação temporária de esforços para execução de um objeto específico, obrigando-se solidariamente ao conjunto de exigências estabelecidas no edital, quando contratam com a Administração Pública.

 13) Em quais bases jurídicas apoiou-se a subprefeitura para permitir, no caso do referido chamamento, a formação de um consórcio posteriormente ao resultado do certame?
Todas as propostas vincularam ao edital os “projetos” apresentados, anteriormente, a análise da Comissão, ocorrido no momento da apresentação das propostas. Inclusive, a Lei Geral de Licitações prevê que o vencedor fica obrigado a promover, antes da celebração do contrato, a constituição e registro do consórcio nos moldes do compromisso mencionado na proposta.

Atenciosamente, GILMAR TADEU RIBEIRO ALVES Chefe de Gabinete Subprefeitura Sé

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