quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

PRODUÇÃO CIENTÍFICA E POLÍTICA PÚBLICA


O que a academia, na área da ciência, pode contribuir para as políticas públicas? A academia tem que se aproximar do poder público, guardando sua autonomia que é produzir conhecimento científico, esse conhecimento deve estar cada vez mais à disposição da gestão pública. Mas essa aproximação deve ser uma via de mão dupla, pois a academia não saberá exatamente o que acontece no interior da máquina pública se essas condições não forem estabelecidas à nível de igualdade, ou seja, só por hierarquia. O gestor precisa adaptar essa produção de conhecimento ao seu dia-a-dia, ser um mediador, para resultar em transformação social. Exemplo de São Paulo é a Mobilidade Urbana. A Redução das velocidades em algumas ruas e nas marginais foi objeto de estudo nas áreas da física, engenharia, meio ambiente e saúde, além disso é uma recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS).

Pensando a Ciência como agente de transformação social, o neurobiólogo Miguel Nicolelis em seu recente livro Made in Macaíba: a história da criação de uma utopia científico-social no ex-império dos Tapuias (Editora Planeta de Livros Brasil) menciona dois gigantes da ciência do Brasil, Oswaldo Cruz e Carlos Chagas. O primeiro foi vanguardista nas pesquisas clínicas de moléstias como malária, dengue, doença de Chagas, tuberculose e esquistossomose. Trabalhou no Instituto Soroterápico Federal, no Rio de Janeiro, e sua primeira missão era produzir vacina contra a peste bubônica, depois foi diretor-geral de Saúde Pública, mapeou a distribuição dos principais focos de infecção e atuou no combate aos ratos(no caso da peste bubônica) e mosquitos(febre amarela). Carlos Chagas trabalhou com Oswaldo Cruz e foi enviado para o interior de São Paulo para estudar e combater a malária entre trabalhadores que construíam uma barragem. A moléstia chegou a parar as obras completamente. Anos depois Chagas se interessou por hábitos de um inseto “sugador de sangue”, e localmente este inseto era conhecido como “barbeiro”, Chagas identificou um novo parasita vivendo no interior do barbeiro e em homenagem a seu mentor, Oswaldo Cruz, batizou esse parasita de Trypanossoma cruzi. 

Esse foi um exemplo duma feliz combinação de produção de conhecimento e gestão pública. O Brasil responde por um pouco mais de 2,5% do número de trabalhos científicos publicados em todo o mundo, mas na área específica da medicina tropical chega a 18% das publicações. Outro caso é que em 2009 foi inaugurado o Centro de Sismologia, um braço do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP, equipe formada por integrantes do Instituto de Energia e Ambiente (IEE), com o patrocínio da Petrobras para pesquisas e desenvolvimentos científico-tecnológicos, ele acompanhará 47 estações sismológicas instaladas no Brasil.

O problema é que o atual governo Temer, alegando falta de dinheiro, resolveu cortar grande parte do investimento na área da ciência e tecnologia, com o fim da obrigatoriedade da Petrobras na exploração do pré-sal o repasse para o centro de sismologia também ficará comprometida. O programa federal Ciência sem Fronteiras foi interrompido para bolsas no exterior, extinguiu vagas para graduandos. A mudança no financiamento do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação(MCTI) colocou em risco o projeto Rede Nacional de Pesquisa (RNP), laboratórios nacionais, e, para o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico(CNPq) o corte corresponde a 66%. Exemplo prático é melhorar a pesquisa no setor de energia solar e térmica, que diminuiria os gastos com as hidrelétricas, outro exemplo é fabricar microprocessadores, para não depender das grandes empresas estrangeiras do setor para suprir seu mercado de microcomputadores, laptops, tablet televisores digitais e telefones celulares, que, apesar de terem alguns modelos montados e programados aqui, têm seus principais componentes fabricados apenas no exterior.

Com a fusão do MCTI com o Ministério da Comunicação(MC) por meio de uma medida provisória¹ que rebaixou para o quarto escalão da hierarquia da administração federal instituições como a Agência Espacial Brasileira(AEB) e a CNPq. Parte massiva da comunidade científica se manifestou negativamente, uma delas foi a revista de ciência de maior importância mundial, a revista britânica Nature², também irritou a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência(SBPC) e a Academia Brasileira de Ciência(ABC) e mais onze associações científicas que no dia 11/05/16 encaminharam uma carta repudiando a medida³. Isto traz à tona no debate nacional um dos mais conhecidos e menos discutidos segredos estratégicos dessa nossa aldeia global que, no mundo de hoje, é investir em ciência, educação científica, desenvolvimento tecnológico e formação de capital humano, questão fundamental para a soberania nacional.

Mário Schenberg cunhou uma frase importante: “O raciocínio é importante para provar as coisas. Mas é a intuição que mostra a solução dos problemas”. 

A oportunidade está dada, ou se estuda, conversa, convence, pressione e mude ou seremos engolidos de vez.


¹.http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2016/Mpv/mpv726.htm
².http://www.nature.com/news/demotion-of-science-ministry-angers-beleaguered-brazilian-researchers-1.19910
³.http://www.sbpcnet.org.br/site/noticias/materias/detalhe.php?id=507.



Rubens Kushimizo é graduando em Física na Universidade de São Paulo.

"Este artigo reflete as opiniões do autor e não do Coletivo. O COADE não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações, conceitos ou opiniões do (a) autor (a) ou por eventuais prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso das informações contidas no artigo."

Um comentário:

  1. Em nível estadual se caminha no mesmo rumo que o federal. O governo de São Paulo reduziu o investimento em pesquisa desrespeitando a Constituição do Estado e desconsiderando que sem investimento em pesquisa científica não nenhuma forma de desenvolvimento. Por isso é importante que assinem e divulguem a petição https://www.change.org/p/academia-de-ciências-do-estado-de-são-paulo-pelo-repasse-de-1-da-arrecadação-de-são-paulo-para-a-fapesp e se possivel se manifestem de outras formas

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