terça-feira, 13 de agosto de 2024

NOTA DE REPÚDIO

“Traidor da Constituição é traidor da Pátria. Conhecemos o caminho maldito. Rasgar a Constituição, trancar as portas do Parlamento, garrotear a liberdade, mandar os patriotas para a cadeia, o exílio e o cemitério...Temos ódio à ditadura. Ódio e nojo.” Ulysses Guimarães.

O Coletivo Advogados para a Democracia e Direitos Humanos repudia o conteúdo da nota assinada pelo presidente da República sobre o falecimento de Antônio Delfim Netto.

Como se não bastasse elogios ao morto, partícipe dos horrores realizados pela ditadura militar, o texto consegue a indignidade de colocá-lo no mesmo nível de capacidade e humanidade da economista Professora Maria da Conceição Tavares.

Em nome da defesa da dignidade da pessoa humana, dos direitos humanos e da história exaltamos o legado da Professora Maria da Conceição e desprezamos a nefasta história do economista da ditadura.


COLETIVO ADVOGADOS PARA A DEMOCRACIA E DIREITOS HUMANOS


sexta-feira, 8 de dezembro de 2023

Nota de repúdio

O Coletivo Advogados para a Democracia e Direitos Humanos (COADE) manifesta repúdio diante da repressão realizada pela Polícia Militar do Estado de São Paulo contra manifestantes contrários à aprovação da privatização da SABESP, ocorrida nas galerias do Plenário da ALESP, no último dia 06/12.

Trata-se de mais uma arbitrariedade da PM contra o Direito de Livre Manifestação, o Estado Democrático de Direito e os Direitos Humanos. 

Como se isso não bastasse, não houve por parte dos eleitos e com mandatos na "Casa do Povo" que se apresentam como representantes da esquerda, supostamente tendo como pauta a defesa da Dignidade da Pessoa Humana, qualquer apoio no sentido de se impor diante dos policiais para que a barbárie deixasse de ocorrer.

Lamentamos esse posicionamento de suposta esquerda que não se apresenta para a defesa urgente da população. Vocês não nos representam.

Ao contrário dessa atitude covarde, o COADE realiza todo apoio e solidariedade aos cidadãos e às cidadãs, incluindo os manifestantes presos arbitrariamente, que de forma organizada e digna se apresentaram para dizer não a mais essa absurda privatização.

“Paz sem voz não é paz. É medo” (Marcelo Yuka).

Rodrigo Sérvulo da Cunha Vieira Rios

Presidente

sexta-feira, 17 de dezembro de 2021

NOTA DE FALECIMENTO


Há homens que lutam um dia e são bons,
há outros que lutam um ano e são melhores,
há os que lutam muitos anos e são muito bons.
Mas há os que lutam toda a vida e estes são imprescindíveis.
(Bertold Brechet)

Sérgio Sérvulo da Cunha, advogado, professor e filósofo, um gigante na defesa dos Direitos Humanos faleceu no sábado (11/12).

O Coletivo Advogados para a Democracia (COADE) lamenta a partida deste importante companheiro e colaborador dessa entidade onde por diversas vezes nos orgulhou por publicar textos neste espaço bem como em atuações conjuntas na luta em defesa da democracia e da dignidade da pessoa humana.

Nos solidarizamos com familiares e amigos na certeza de que a atuação de Sérgio continua forte, como sempre foi, em cada um de nós.

Sérgio Sérvulo da Cunha, presente!

São Paulo, 17 de dezembro de 2021.

                 Ellen Maria Pereira Caixeta
                            Presidenta 

 

quinta-feira, 30 de setembro de 2021

NOTA DA PRESIDÊNCIA SOBRE O TAC NO CASO DO ASSASSINATO DE BETO FREITAS

 


NOTA DA PRESIDÊNCIA

O Coletivo Advogados para a Democracia, na pessoa de sua presidenta, vem expressar sua preocupação com relação à atuação efetiva contra o racismo estrutural existente em nosso país.

A título de exemplo, citamos o conteúdo do acordo do Carrefour firmado com duas entidades de defesa dos direitos humanos (através de Termo de Ajustamento de Conduta). Tal acordo, contrariou artigos fundamentais da Lei de Ação Civil Pública, ignorou a família da vítima e isentou o Carrefour da responsabilidade pelo assassinato da vítima Beto Freitas. A consequência lógica dessa isenção é que o valor a ser pago, ficou caracterizado como doação e não indenização, e poderá ser  deduzido no Imposto de Renda da empresa, ou seja, ao final e ao cabo, quem pagará a conta será a sociedade.

Não podíamos, como entidade que tem entre seus objetivos sociais promover a defesa e proteção dos direitos sociais, coletivos e difusos, na sua acepção mais ampla, ignorar tal fato e por essa razão o questionamos na devida instância.

A busca por justiça social e a luta contra o racismo não podem se pautar por interesses financeiros e nem serem monopolizadas por pequenos grupos especialmente no Brasil onde a maioria da população é afrodescendente.

Apenas a união alicerçada na transparência e na prática do bom direito é que será possível almejarmos uma sociedade humanizada, igualitária e efetivamente democrática que caminha de mãos dadas com os Direitos Humanos.

São Paulo, 28 de novembro de 2021.

Ellen Caixeta
Presidenta.

quarta-feira, 22 de setembro de 2021

CASO BETO FREITAS: ENTIDADES TENTARÃO ANULAR CLÁUSULAS DE ACORDO CARREFOUR/EDUCAFRO



Porto Alegre/RS – Entidades negras e de Defesa dos Direitos Humanos – a SOEUAFROBRASILEIRA (Sociedade de Economias Unificadas Afro Beneficência Brasileira) e o COADE (Coletivo de Advogados para a Democracia) – tentarão na Justiça anular cláusulas do acordo do Carrefour com a Educafro e Centro Santo Dias no caso do assassinato do soldador Beto Freitas, espancado até a morte numa loja da marca francesa, em Porto Alegre.

Nesta quinta-feira (23/09) às 14h, os advogados Onir Araújo (foto) e Hamilton Ribeiro, concederão entrevista coletiva para anunciar as medidas que serão adotadas.
 
Eles representam o Coletivo Cidadania, Ação Antirracista e Direitos Humanos, constituído no mês passado por advogados de S. Paulo, Espírito Santo e Rio Grande do Sul, críticos ao acordo.

Para os advogados o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), firmado com a participação dos Ministérios Públicos gaúcho e da União, Defensorias Públicas da União e do Rio Grande do Sul e Ministério Público Federal do Trabalho, ignorou a família da vítima e viola a Lei da Ação Civil Pública.

A Afropress apurou que, entre as medidas que serão anunciadas, estão a anulação do destino dos R$ 115 milhões, pagos pelo Carrefour à título de reparação. Na opinião das entidades esse dinheiro deve ser gerido por fundos públicos, conforme prevê a Lei.

Outro ponto bastante questionado no TAC é o fato do acordo excluir a responsabilidade do Carrefour pela morte, o que retira o caráter de reparação e abre espaço para que o dinheiro seja deduzido no Imposto de Renda da empresa.

Entrevista e Coletivo

A entrevista ocorrerá no Quilombo dos Machado, à Rua Rocco Aloise 1.000 – Bairro Sarandi, um dos 11 territórios quilombolas de Porto Alegre. Araújo é ativista do movimento negro gaúcho e advogado da Frente Quilombola do Rio Grande do Sul; Carlos Barata e Hamilton Ribeiro (foto abaixo) atuaram na defesa de Milena Freitas, viúva do homem negro morto.

O Coletivo é formado ainda pelo advogado capixaba e ativista, André Moreira, e por Cláudio Latorraca, Rodrigo Sérvulo e Dojival Vieira, os três com atuação em São Paulo.

Caso Assaí

Na semana passado, em nome das entidades de quem receberam procuração, os advogados protocolaram Ação Civil Pública no caso ocorrido numa loja do Assaí em Limeira, interior de São Paulo, em que um homem negro foi obrigado a tirar as calças para provar que não havia furtado mercadorias.

SERVIÇO:

COLETIVA PARA O ANÚNCIO DE MEDIDAS PARA ANULAÇÃO DE CLÁUSULAS DO ACORDO CARREFOUR/EDUCAFRO/CENTRO SANTO DIAS.

Local: Quilombo dos Machado – Rua Rocco Aloise, 1.000 – Bairro Sarandi – Porto Alegre.

Data: 23/09/2021 (Quinta-feira)

Hora: 14h.

Coordenação: Advogados Onir Araújo e Hamilton Ribeiro.

Contatos: (51) 9998-9192 e (51) 98115-2739.

quarta-feira, 1 de setembro de 2021

NOTA DE FALECIMENTO DO JORNALISTA DERMI AZEVEDO


Sísifo foi a personagem que o jornalista Dermi Azevedo usou para descrever o nosso ofício, como defensores e defensoras dos Direitos Humanos, aqueles que rolam a pedra, sem nunca chegar ao topo. Hoje, nessa quarta-feira, primeiro de setembro de dois mil e vinte e um, por volta das dez horas da manhã, nosso Sísifo nos deixou. Combateu a pandemia nesses quase dois anos, como se combate um guerreiro. Recluso em sua casa, ao lado da sua família, não tirou os olhos dos jornais e notícias que vinham de todas as partes, dando conta da tristeza que assola o nosso país. Ele se resguardava e, ao mesmo tempo, elaborava mil formas para que continuássemos atuantes na defesa dos Direitos Humanos. Viu pessoas próximas queridas partirem, em decorrência da pandemia, e bravamente vencia esse período de reclusão com a certeza de que muito estava por vir e precisava da sua força para reerguer esse país. Mas, o seu coração não suportou.

Na manhã de hoje, o jornalista e cientista político Dermi Azevedo faleceu, em consequência de um infarto fulminante.

Dotado de uma inteligência fora do comum, o potiguar Dermi Azevedo graduou-se em Comunicação Social/Jornalismo pela UFRN (1979); especializando em Relações Internacionais pela Fundação Escola de Sociologia e Política de SP(SESP). Mestre em Ciência Política pela USP, em 2001, com dissertação sobre o tema "Igreja e Ditadura Militar. Colaborações Religiosas com a Repressão de 1964". Doutor em Ciência Política pela USP, em 2005, com tese sobre "Igreja e Democracia. A Democracia na Igreja", sob a orientação do Prof. Dr. Paulo Sérgio Pinheiro. Exerceu a profissão de jornalista desde 1967, tendo trabalhado como repórter, redator e editor, em várias revistas e jornais, realizado viagens profissionais ao exterior para cobrir temas ligados às suas pesquisas. Fez a cobertura de diversas viagens do Papa João Paulo II e de importantes eventos ligados aos Direitos Humanos e aos Movimentos Sociais. No serviço público, ocupou vários cargos e funções nos governos do RN e de SP.

Em SP, foi Assessor Técnico da Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania. Presidiu, de 1999 a 2009, o Conselho Deliberativo do Programa Estadual de Proteção às Testemunhas (PROVITA), integrou o Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CONDEPE). Foi um dos coordenadores do Programa Estadual de Direitos Humanos (SP). Foi um dos fundadores do Movimento Nacional dos Direitos Humanos (MNDH). Em 2013 fundou o Núcleo Maximiliano Kolbe (NMK) de Direitos Humanos, onde presidiu, até o momento, com a mesma generosidade com que sempre atuou, defendendo que a formação básica em Direitos Humanos é um direito de todos e que qualquer cidadão (ã) pode atuar nessa causa, descobrindo-se em seus valores mais fundamentais.

Esses princípios basilares de respeito ao outro, à sua plena manifestação de ideias e a defesa inconteste de sua liberdade de expressão e da democracia nasceu ainda em sua juventude, quando atuante contra a ditadura civil-militar, implantada no Brasil em 1964, foi preso político em 1968, no 30 Congresso da UNE, em Ibiúna/SP e novamente em 1974, em São Paulo.

Dessa prisão resultou a sequela maior de sua vida, quando também seu filho, com 1 ano e 8 meses, foi sequestrado pelos agentes do Estado e levado para prisão, junto com ele e a mãe. Dessa prisão, violenta e totalmente arbitrária, vieram todas as consequências que levaram seu filho à morte, ainda jovem aos 31 anos.

Dermi, que sempre declarou não guardar rancor desse período nefasto da história do Brasil, que violou seus direitos constitucionais e dos seus, além de todas as vítimas da ditadura, sempre pronunciou fazendo memória ao filho Carlos Alexandre Azevedo, repetindo: "meu filho foi morto pelo sistema repressivo que mantém suas garras em vários ambientes". Seu alerta perpetua. Ficou exilado no Chile, após o cárcere e anistiado, retomou todas as suas atividades, especialmente junto aos amigos e companheiros, ex-presos políticos, numa admiração profícua e trabalho intenso, mesmo convalescendo com o Parkinson.

Assim seguiu o guerreiro Dermi Azevedo, conclamando que tomemos o rumo de nossa história em nossas próprias mãos e lutemos por justiça, sem deixar ninguém para trás.

Sua partida nessa data é também um reencontro com seu menino, que só queria brincar na sala de estar.

Deixa a sua amada esposa Elis Regina Almeida, seus filhos Joana, Daniel e Estevão, suas enteadas Paula, Fernanda, Julia Bethânia, netos e netas, parentes, amigos e amigas que o tinham como farol.

Por fim, deixamos o pensamento que ele repetia para nós e com o qual agora o honramos:

“Há aqueles que lutam um dia, e por isso são bons.
Há aqueles que lutam muitos dias, e por isso, são muito bons.
Há aqueles que lutam anos, e são melhores ainda, porém há aqueles que lutam toda a vida.
Esses são os imprescindíveis”. (Bertolt Brecht).

Velório: 02 / 09/ 2021
Horário: 10:00 às 12:00.
Sindicato dos jornalistas do Estado de São Paulo ( Rua Rêgo Freitas, 530, República, São Paulo).

Familiares e Amigos.

São Paulo, SP, 01 de setembro de 2021.

sexta-feira, 18 de dezembro de 2020

NOTA DE REPÚDIO

 

O Coletivo Advogados para a Democracia (COADE), manifesta repúdio ao assédio sofrido pela Deputada Estadual Isa Penna (PSOL/SP), na noite de quarta-feira (16/12/2020), durante Sessão da Alesp (Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo).

O caso de assédio foi praticado pelo Deputado Estadual Fernando Cury (Cidadania/SP) e registrado pelo sistema de monitoramento de câmeras da Assembleia além de outras testemunhas que estavam no local. 

Infelizmente, diversas formas de violências contra as mulheres ocorrem reiteradamente em diversos espaços da sociedade alicerçada em valores do patriarcado. Trata-se de mais uma forma de violência naturalizada fomentada pelo machismo estruturante existente historicamente na sociedade brasileira.  Tal percepção é facilmente obtida quando um Deputado assedia uma Deputada no pleno exercício de suas funções.

Diante disso, urge denunciar o caso em todas as instâncias possíveis para que essa prática nefasta seja combatida e consequentemente  deixe de existir.

Neste sentido, o COADE apoia providências imediatas no sentido de cassar o mandato do Deputado Fernando Cury, autor do assédio, além de processá-lo criminalmente. 

Contra a desumanidade, nenhum passo atrás!

À Deputada Isa Penna toda a nossa solidariedade e apoio.

São Paulo, 18 de dezembro de 2020.

terça-feira, 11 de agosto de 2020

MORRE O BISPO DO POVO

 

Morreu, 8 de agosto, na cidade de Batatais (no interior do Estado de São Paulo), em decorrência da doença de Parkinson o bispo Pedro Casaldáliga, referência na luta pelos direitos humanos e contra a ditadura cívico-militar.

O bispo catalão tinha 92 anos e havia sido hospitalizado por problemas respiratórios em estado de saúde. E se incorporando no Brasil desde 1968 e sempre trabalhando com seus irmãos e irmãs pelos direitos dos camponeses sem terra e indígenas

Filho de camponeses da cidade catalã de Balsareny, claretiano e sacerdote ordenado na Espanha, Pedro Casaldáliga veio para o Brasil como missionário em 1968. Ele estava fugindo da Espanha franquista, mas desembarcou em um país que começava a viver os anos mais difíceis de sua ditadura militar (1964 – 1985). Ele se estabeleceu em São Félix do Araguaia, onde em 1971 foi nomeado o primeiro bispo da diocese local. O espanhol ilustre nunca retornou à sua terra natal por medo de deixar o Brasil e ser detido pelos militares de seu país em seu retorno.

Casaldáliga sempre acreditou que a Igreja tinha um forte papel social tornando-se um dos ícones da Teologia da Libertação. Sua pequena casa rural e pobre era a sede de sua diocese. Ele também não usava a batina tradicional usada pelos padres. Ele preferia jeans e chinelos, como as pessoas normais. Com esse estilo espartano, ele enfrentou a ditadura militar e também o setor mais conservador da Igreja Católica.

No Brasil, ele dedicou sua vida aos mais pobres e vulneráveis, especialmente aos camponeses sem terra e povos indígenas que habitam a Amazônia. Proprietários de terras locais poderosos o ameaçaram de morte em numeras ocasiões. Em outubro de 1976, após uma reunião de líderes locais e religiosos envolvidos na luta indígena, sofreu um ataque que resultou no assassinato do padre João Bosco Burnier. Casaldáliga estava ao seu lado durante o atentado criminoso.

Mas nem a perseguição da ditadura nem a ira do Vaticano, especialmente desde o papado de João Paulo II (1978-2005), o desencorajaram de promover dezenas de movimentos sociais na América Latina. Casaldáliga é um dos fundadores do Conselho Missionário Indígena (CIMI) e da Comissão Pastoral da Terra (CPT), duas das mais importantes entidades religiosas do Brasil. Ambas as organizações desempenharam um papel importante na transição democrática e na elaboração da Constituição de 1988, marco dos direitos sociais e indígenas no país.

Os conflitos com os setores mais poderosos não terminaram com o fim do regime militar. Ao contrário. Alguns duraram até anos recentes. Em 2012, quando tinha 84 anos e já sofria da doença de Parkinson, o prelado foi forçado a deixar sua casa em São Félix do Araguaia após receber ameaças de morte por sua defesa dos povos indígenas. As autoridades brasileiras o transferiram para um lugar desconhecido por meses diante das ameaças de colonos que ocupavam ilegalmente as terras dos Xavantes. Os tribunais brasileiros estavam prestes a concordar com o grupo indígena na disputa que tiveram com os invasores, o que, por sua vez, aumentou a violência na região.

Casaldáliga também passou por cinco processos de expulsão da Igreja. Eles nunca o nomearam cardeal. Em 2003, após completar 75 anos, idade em que os bispos devem disponibilizar a diocese ao papa, ele desafiou a instituição religiosa mais uma vez. O Vaticano imediatamente buscou sua substituição e foi atrás de um sucessor, exigindo que o prelado deixasse a cidade de São Félix antes da chegada do novo bispo. “Se o bispo que me sucede deseja continuar nosso trabalho de dedicação aos mais pobres, posso ficar com ele como sacerdote; caso contrário, procurarei outro lugar onde possa terminar meus dias próximos aos mais esquecidos“, insistiu ele.

Casaldáliga continuou seu trabalho até janeiro de 2005, quando Roma se manifestou novamente. Eles finalmente conseguiram um bispo para a diocese. Uma vez recebeu a exigência da Igreja de deixar a região. E mais uma vez o prelado recusou. Ele ficou trabalhando, com seu substituto e depois com o próximo. Sua morte em São Félix do Araguaia aconteceu como ele esperava: entre os pobres, entre os seus.

A última vez que Pedro Casaldáliga, o bispo do povo segundo seus numerosos partidários e o bispo vermelho para seus cáusticos inimigos, apareceu diante de uma multidão poucos esperavam vê-lo. Era julho de 2016 e não estava claro se dessa vez o religioso claretiano, de 88 anos, iria participar da Romaria dos Mártires da Caminhada, um evento quinquenal que ele criou em 1986, quando era bispo desta região selvática do Estado de Mato Grosso. A Romaria é realizada a 268 quilômetros de São Félix do Araguaia, o município onde ele vive, e não se sabia se agüentaria os incômodos de tamanha viagem. Mas havia aceitado a contragosto ir de avião, e não de ônibus, como até então costumava viajar pelo país (para ir, segundo suas palavras, "à altura do povo"), de modo que aí estava esse catalão, discretamente disposto a ver a cerimônia de inauguração. Banhado em aplausos e flashes de celulares, o morador espanhol mais célebre do Brasil não disse uma palavra. Em parte, pode-se imaginar, porque não tinha ido dar uma homilia; em parte, pelos estragos que foi causando em suas habilidades motoras o que ele chama de "o irmão Parkinson". Vendo-o, frágil, calado, prostrado em sua cadeira de rodas, qualquer coisa que tivesse dito teria soado como uma despedida.

Desde então, o mundo soube pouco dele, como ele do mundo. "A política local, a estatal ou a nacional, ele já não acompanhava muito", admite por telefone o padre Ivo, um dos quatro agostinianos que se organizam para atender nas 24 horas do dia o bispo emérito em sua casa de São Félix do Araguaia. Mantêm-no em forma com a rotina: cuidados físicos pela manhã e leitura do correio – eletrônico ou tradicional– pela tarde. "Não responde todas as mensagens porque já lhe custa muito falar, mas as pessoas as mandavam cheias de carinho, sem esperar uma resposta. São quase como uma deferência", acrescenta Ivo.

Assim, meio custodiado e meio mistificado, faz aniversário esta semana um dos homens espanhóis mais admirados do mundo católico. Em sua casa de sempre em São Félix do Araguaia, um município de pouco mais de 10.500 habitantes ao qual só se chega depois de 16 horas de estrada de terra desde o aeroporto mais próximo, o de Cuiabá, capital do Mato Grosso. Aqui se encontra este sacerdote de Montjuic desde que chegou ao Brasil como missionário em 1968, fugindo de uma Espanha congelada pelo franquismo. Em 1971 foi nomeado primeiro bispo da diocese e converteu sua casa, pequena, rural e pobre, na sede.

Foi entre essas quatro paredes que Casaldáliga começou a dar mostras de sua espetacular adesão aos ensinamentos do Evangelho, sobretudo o de se identificar com os mais desfavorecidos. E neste lado do Brasil selvático os mais desfavorecidos são centenas de milhares de camponeses sem-terra, pobres, analfabetos e oprimidos por coronéis e políticos. Assim, ele rezava missa para os moradores no quintal de sua casa, entre as galinhas, e à noite, deixava sua porta principal aberta para o caso de alguém sem casa precisar usar uma cama que sempre estava disponível. Andava de jeans e chinelos e tinha duas mudas de cada roupa. Quando tinha que se reunir com o Episcopado em Brasília, ia de ônibus, em uma viagem de três dias, porque era o meio de transporte de sua gente. Seu lema era inegociável: "Nada possuir, nada carregar, nada pedir, nada calar e, sobretudo, nada matar".

Anos depois se lembraria de como no início, em sua diocese, "faltava tudo: em saúde, educação, administração e justiça; faltava, sobretudo, no povo a consciência dos próprios direitos e a coragem e a possibilidade de reclamar". Decidiu que esse era o caminho a seguir. Construiu escolas, ambulatórios e se colocou ao lado dos camponeses sem-terra. Foi acusado repetidas vezes de interessar-se demais pelos problemas "materiais" dos pobres. Ele respondia que não concebia "a dicotomia entre evangelização e promoção humana".

Foi entre essas quatro paredes que Casaldáliga começou a dar mostras de sua espetacular adesão aos ensinamentos do Evangelho, sobretudo o de se identificar com os mais desfavorecidos. E neste lado do Brasil selvático os mais desfavorecidos são centenas de milhares de camponeses sem-terra, pobres, analfabetos e oprimidos por coronéis e políticos. Assim, ele rezava missa para os moradores no quintal de sua casa, entre as galinhas, e à noite, deixava sua porta principal aberta para o caso de alguém sem casa precisar usar uma cama que sempre estava disponível. Andava de jeans e chinelos e tinha duas mudas de cada roupa. Quando tinha que se reunir com o Episcopado em Brasília, ia de ônibus, em uma viagem de três dias, porque era o meio de transporte de sua gente. Seu lema era inegociável: "Nada possuir, nada carregar, nada pedir, nada calar e, sobretudo, nada matar".

Anos depois se lembraria de como no início, em sua diocese, "faltava tudo: em saúde, educação, administração e justiça; faltava, sobretudo, no povo a consciência dos próprios direitos e a coragem e a possibilidade de reclamar". Decidiu que esse era o caminho a seguir. Construiu escolas, ambulatórios e se colocou ao lado dos camponeses sem-terra. Foi acusado repetidas vezes de interessar-se demais pelos problemas "materiais" dos pobres. Ele respondia que não concebia "a dicotomia entre evangelização e promoção humana".

Essas idéias progressistas lhe renderam seguidores que o cultuavam nas ruas e um ódio desenfreado em várias instituições. Ele se posicionou em favor dos indígenas da Amazônia, que para os interessados em se enriquecer eram os mais fáceis de expulsar de cada território: aliou-se aos xavantes de Marãiwtsédé para retirar grandes produtores rurais de suas áreas e aos tapirapé e os carajá, e isto o levou a se confrontar com os latifundiários e as multinacionais e a ditadura militar. Viu como pistoleiros matavam seus companheiros–a conclusão habituais dos conflitos nesta região – e ele mesmo teve que viver escondido em um mês de 2012 por ameaças de morte. Rejeitou andar com escolta: "Eu a aceitarei quando for oferecida também a todos os camponeses de minha diocese ameaçados de morte como eu", disse.

O Vaticano o convocou em 1988 para que desse explicação por tanta proximidade da teologia da libertação e para que visitasse o Papa João Paulo II, como deveria ter feito uma vez a cada cinco anos, segundo o Código do Direito Canônico. Apresentou-se em camisa, sem anel e com um colar indígena no pescoço. Esclareceu ao Pontífice: "Estou disposto a dar minha vida por [São] Pedro [fundador da Igreja Católica], mas pelo Vaticano é outra coisa". Ao sair do encontro, fez um resumo à imprensa: "Me escutou e não me deu uma reprimenda. Poderia ter feito isso, como nós podemos também fazer com ele". E ponderou: "O Espírito Santo tem duas asas e a Igreja gosta mais de cortar a da esquerda".

Em 2003, Casaldáliga completou 75 anos, idade a partir da qual um bispo pode se aposentar. O Vaticano o substituiu de imediato. "Se o bispo que me suceder desejar seguir nosso trabalho de entrega aos mais pobres, eu poderia ficar com ele como sacerdote; do contrário, procurarei outro lugar onde possa terminar meus dias ao lado dos mais esquecidos", insistiu então. Se a pressa se devia a que fora fácil encontrar um substituto, não deram nenhuma indicação disso. Não voltaram a se manifestar até janeiro de 2005, quando anunciaram que já tinham substituto e que Casaldáliga deveria abandonar a diocese. Ele se negou e ficou trabalhando, com seu substituto e depois com o seguinte.

Pedro Casaldáliga faz 90 anos na casa de sempre e no município de sempre, mas o restante não é o de sempre. A região do Araguaia se transformou, entre escândalos políticos, em uma das principais áreas de plantações de soja do Mato Grosso: ou seja, parte das terras dos indígenas e dos camponeses está nas mãos das grandes produtores agrícolas e de seus produtos químicos. Talvez não se possa fazer nada contra isso. Casaldáliga perdeu essa batalha. Mas quando uma pessoa dedicou sua vida inteira à luta, ganhar ou perder é secundário.
 
Dermi Azevedo é jornalista, cientista político e escritor. É autor dos livros “Travessias Torturadas” e “Nenhum direito a menos”, graduado em Jornalismo pela UFRN (1979); Especialista em Relações Internacionais pela Fundação Escola de Sociologia e Política de SP (FSESP) com estudo sobre a política externa do Vaticano; Mestre em Ciência Política pela USP, com dissertação sobre o tema "Igreja e Ditadura Militar. Colaboração religiosa com a repressão de 1964”. Doutor em Ciência Política pela USP, com tese sobre “Igreja e Democracia. A democracia na igreja”, sob a orientação do Prof. Dr. Paulo Sérgio Pinheiro. É pai de Carlos Alexandre Azevedo, que foi preso político em 1974 com seus pais e foi torturado pelos policiais. Tinha apenas 1 ano e 8 meses e teve seus dentinhos quebrados pelos policiais ligados ao delegado Sérgio Fleury. Em fevereiro de 2013, Carlos cometeu suicídio com orvedose de medicamentos. E já vinha atribuindo seu sofrimento as seqüelas do crime que sofreu. É coordenador do Núcleo Maximiliano Kolbe de Direitos Humanos/NMK-SP.
 

sexta-feira, 24 de julho de 2020

NOTA DE PESAR


O Coletivo Advogados para a Democracia (COADE), manifesta todo pesar e consternação pelo falecimento de Maria Eugênia Sérvulo da Cunha Vieira Rios, nesta quarta-feira, 22 de julho.

D. Maria Eugênia era uma mulher generosa, íntegra e uma grande mãe, sem dúvidas ela fará muita falta.

O COADE se solidariza com o Companheiro Rodrigo Sérvulo da Cunha, seus familiares e amigos neste momento de dor.

‘As pessoas não morrem, ficam encantadas’, João Guimarães Rosa.


quarta-feira, 24 de junho de 2020

SECRETARIA DA ADMINISTRAÇÃO PENITENCIÁRIA RESPONDE À OFÍCIO ENVIADO PELO CONSELHO DA COMUNIDADE DA COMARCA DE SÃO PAULO SOBRE OS PROTOCOLOS ADOTADOS DE COMBATE AO COVID-19



A Secretaria da Administração Penitenciária (SAP) respondeu, no dia 10 de junho, ao ofício de urgência enviado pelo Conselho da Comunidade da Comarca de São Paulo (CCCSP), no dia 04 de maio do presente ano, para que o Secretário de Administração Penitenciária do Estado de São Paulo (SAP), doutor Nivaldo Cesar Restivo, esclarecesse quais foram as medidas preventivas e urgentes realizadas até o momento no combate ao COVID-19 dentro das Unidades Prisionais da Capital Paulista.

A solicitação, assinada pelo advogado e presidente do Conselho, Rodrigo Sérvulo da Cunha Vieira Rios, tinha por finalidade assegurar que o CCCSP bem como a sociedade em geral, obtivessem informações necessárias para fielmente cumprir o estabelecido na Lei de Execução Penal (artigo 61, inciso VI), que aponta como uma das funções precípuas do Conselho a de diligenciar a obtenção de recursos materiais e humanos para melhor assistência ao preso ou internado, em harmonia com a direção do estabelecimento.

Ocorre que a resposta da SAP (clique aqui para ler o documento na íntegra) não supera os questionamentos apresentados pelo Conselho (clique aqui para relembrar o ofício protocolado pelo CCCSP) uma vez que a manifestação da Secretaria não apresenta detalhadamente o solicitado deixando claro que a situação está, supostamente, sob controle e que apenas a partir da primeira quinzena de junho os(as) presos(as) realizariam testes para o COVID-19.   

Reiteramos que, conhecedores da realidade precária existente nas prisões urge, ainda mais neste momento de pandemia, o diálogo transparente e objetivo no tocante às informações requeridas entre os poderes do Estado e o Conselho para que possamos conjuntamente atuarmos buscando melhorias para presos e presas.

O CCCSP continua sua incessante atuação e não descansará enquanto não obtiver todas as informações sobre a real situação da pandemia no cárcere.

CONSELHO DA COMUNIDADE DA COMARCA DE SÃO PAULO - CCCSP