O que a academia, na área da ciência, pode contribuir para as políticas públicas? A academia tem que se aproximar do poder público, guardando sua autonomia que é produzir conhecimento científico, esse conhecimento deve estar cada vez mais à disposição da gestão pública. Mas essa aproximação deve ser uma via de mão dupla, pois a academia não saberá exatamente o que acontece no interior da máquina pública se essas condições não forem estabelecidas à nível de igualdade, ou seja, só por hierarquia. O gestor precisa adaptar essa produção de conhecimento ao seu dia-a-dia, ser um mediador, para resultar em transformação social. Exemplo de São Paulo é a Mobilidade Urbana. A Redução das velocidades em algumas ruas e nas marginais foi objeto de estudo nas áreas da física, engenharia, meio ambiente e saúde, além disso é uma recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS).
Pensando a Ciência como agente de transformação social, o neurobiólogo Miguel Nicolelis em seu recente livro Made in Macaíba: a história da criação de uma utopia científico-social no ex-império dos Tapuias (Editora Planeta de Livros Brasil) menciona dois gigantes da ciência do Brasil, Oswaldo Cruz e Carlos Chagas. O primeiro foi vanguardista nas pesquisas clínicas de moléstias como malária, dengue, doença de Chagas, tuberculose e esquistossomose. Trabalhou no Instituto Soroterápico Federal, no Rio de Janeiro, e sua primeira missão era produzir vacina contra a peste bubônica, depois foi diretor-geral de Saúde Pública, mapeou a distribuição dos principais focos de infecção e atuou no combate aos ratos(no caso da peste bubônica) e mosquitos(febre amarela). Carlos Chagas trabalhou com Oswaldo Cruz e foi enviado para o interior de São Paulo para estudar e combater a malária entre trabalhadores que construíam uma barragem. A moléstia chegou a parar as obras completamente. Anos depois Chagas se interessou por hábitos de um inseto “sugador de sangue”, e localmente este inseto era conhecido como “barbeiro”, Chagas identificou um novo parasita vivendo no interior do barbeiro e em homenagem a seu mentor, Oswaldo Cruz, batizou esse parasita de Trypanossoma cruzi.
Esse foi um exemplo duma feliz combinação de produção de conhecimento e gestão pública. O Brasil responde por um pouco mais de 2,5% do número de trabalhos científicos publicados em todo o mundo, mas na área específica da medicina tropical chega a 18% das publicações. Outro caso é que em 2009 foi inaugurado o Centro de Sismologia, um braço do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP, equipe formada por integrantes do Instituto de Energia e Ambiente (IEE), com o patrocínio da Petrobras para pesquisas e desenvolvimentos científico-tecnológicos, ele acompanhará 47 estações sismológicas instaladas no Brasil.
O problema é que o atual governo Temer, alegando falta de dinheiro, resolveu cortar grande parte do investimento na área da ciência e tecnologia, com o fim da obrigatoriedade da Petrobras na exploração do pré-sal o repasse para o centro de sismologia também ficará comprometida. O programa federal Ciência sem Fronteiras foi interrompido para bolsas no exterior, extinguiu vagas para graduandos. A mudança no financiamento do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação(MCTI) colocou em risco o projeto Rede Nacional de Pesquisa (RNP), laboratórios nacionais, e, para o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico(CNPq) o corte corresponde a 66%. Exemplo prático é melhorar a pesquisa no setor de energia solar e térmica, que diminuiria os gastos com as hidrelétricas, outro exemplo é fabricar microprocessadores, para não depender das grandes empresas estrangeiras do setor para suprir seu mercado de microcomputadores, laptops, tablet televisores digitais e telefones celulares, que, apesar de terem alguns modelos montados e programados aqui, têm seus principais componentes fabricados apenas no exterior.
Com a fusão do MCTI com o Ministério da Comunicação(MC) por meio de uma medida provisória¹ que rebaixou para o quarto escalão da hierarquia da administração federal instituições como a Agência Espacial Brasileira(AEB) e a CNPq. Parte massiva da comunidade científica se manifestou negativamente, uma delas foi a revista de ciência de maior importância mundial, a revista britânica Nature², também irritou a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência(SBPC) e a Academia Brasileira de Ciência(ABC) e mais onze associações científicas que no dia 11/05/16 encaminharam uma carta repudiando a medida³. Isto traz à tona no debate nacional um dos mais conhecidos e menos discutidos segredos estratégicos dessa nossa aldeia global que, no mundo de hoje, é investir em ciência, educação científica, desenvolvimento tecnológico e formação de capital humano, questão fundamental para a soberania nacional.
Mário Schenberg cunhou uma frase importante: “O raciocínio é importante para provar as coisas. Mas é a intuição que mostra a solução dos problemas”.
A oportunidade está dada, ou se estuda, conversa, convence, pressione e mude ou seremos engolidos de vez.
¹.http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2016/Mpv/mpv726.htm
².http://www.nature.com/news/demotion-of-science-ministry-angers-beleaguered-brazilian-researchers-1.19910
³.http://www.sbpcnet.org.br/site/noticias/materias/detalhe.php?id=507.
Rubens Kushimizo é graduando em Física na Universidade de São Paulo.
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