*NOTA: ESSA MATÉRIA É DE 2012, LOGO APÓS O OCORRIDO EM SÃO JOSÉ DOS CAMPOS, E REPRODUZIMOS PARA QUE ESSE GRAVÍSSIMO CASO NÃO CAIA NO ESQUECIMENTO.
O procurador do Estado de São Paulo Marcio Sotelo
Felippe afirma que o governador Geraldo Alckmin, o presidente do
Tribunal de Justiça, desembargador Ivan Sartori, e Naji Nahas devem ser
presos pelos crimes cometidos contra a humanidade no Pinheirinho, em São
José dos Campos, interior de São Paulo.
Durante quinze dias, o jurista Márcio Sotero se debruçou na
documentação da área do Pinheirinho, onde foram expulsas pela tropa de
choque da Polícia Militar, no dia 22 de janeiro, milhares de pessoas
pobres.
A reintegração de posse foi requerida pela massa falida da Selecta,
empresa do especulador Naji Nahas. Ao pesquisar toda a papelada do
processo de falência o procurado do Estado fez algumas descobertas até
agora não divulgadas por autoridades que tinham este conhecimento.
Márcio Sotero Felipe também é professor de Filosofia do Direito da
Escola Superior da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo e exerceu o
cargo de Procurador Geral do Estado na gestão Mário Covas.
Dr. Márcio, o que que o senhor constatou na sua pesquisa sobre a massa falida da Selecta?
M.S.F.: Constatei algumas ações que a sociedade deve saber, que as
pessoas devem entender. A massa falida da Selecta a rigor hoje não é
mais massa falida. Todos os créditos que eles tinham contra a massa
falida já foram pagos ou satisfeitos. De que modo foram pagos ou
satisfeitos? O que eu sei, pelo processo de falência, é que a própria
falida, o próprio Naji Nahas comprou estes créditos. Não existem
empregados para receber créditos trabalhistas. Não existe qualquer
contrato privado pra ser destinado. Existem dívidas tributárias do
município e da União. As dívidas tributárias, elas independem da
falência, elas podem ser cobradas a parte. A falência está materialmente
finda, de tal modo que existe um despacho de um juiz da falência de
cinco anos atrás dizendo literalmente o seguinte a falência está finda e
todo o numerário arrecadado será destinado à falida. Não à massa
falida, que é outro conceito. À falida. Quem é a falida? É a empresa do
senhor Naji Nahas. Ou seja, por que que isto é importante ressaltar?
Porque tudo que aconteceu no Pinheirinho, toda esta tragédia, ela
resulta no seguinte: beneficia apenas o maior especulador do País, um
dos maiores escroques deste País que é o senhor Naji Nahas. Então a
pergunta que eu quero fazer é a seguinte: O que que a máquina do Estado
de São Paulo, o executivo pela Polícia Militar, o presidente do Tribunal
de Justiça, que se empenhou violentamente pra isso? Por que que toda
esta máquina foi movimentada pra beneficiar o falida Naji Nahas? E
apenas o falido Naji Nahas. Nenhum crédito trabalhista. Nenhum credor de
contrato privado. Nada! O único beneficiário desta ação é o senhor Naji
Nahas. Eu quero apenas entender. Eu quero apenas fazer esta pergunta ao
senhor Governador e ao Presidente do Tribunal de Justiça: Por que esta
ação foi realizada desta forma? Por que ação deste porte, que beneficia
apenas o senhor Naji Nahas, foi realizada violentando, brutalizando,
desgraçando a vida de seis mil pessoas?
Gostaria que o senhor explicasse qual que é também a participação do
síndico da massa falida? Por que ele estava presente na tentativa de
acordo, pra dar quinze dias, pra não ocorrer a reintegração de posse
juntamente com o juiz Luiz Beetwoven Giffoni Ferreira. E o síndico da
massa falida estava presente. Então, qual seria o papel deste síndico
também já que não existe praticamente a massa falida?
M.S.F.: Olha, isto tudo foge da rotina. Isto tudo foge do padrão de
operação de um processo de falência. Na medida em que o síndico da massa
falida, que é uma pessoa que não tem relação com a falida, ele é (pode
ser) um dos credores, ou alguém nomeado livremente pelo juiz. Mas ele é o
representante da massa falida, ele é quem postula pela massa falida, e
não o falido que perdeu a capacidade de gerir os seus negócios. Então,
ele fez um acordo, ele representa a massa falida, o acordo foi
homologado. Por uma razão misteriosa, que ninguém consegue entender, o
acordo é esquecido. E dois mil policiais militares fazem esta operação
extraordinariamente violenta. Ou seja, há uma série de irregularidades.
Eu não vou nem me estender nas irregularidades jurídicas. Havia uma
determinação da justiça federal, mil coisas que caracterizam completa
ilegalidade disso. No que espanta é que uma certa natureza, uma decisão
judicial incondicional, com problemas processuais, em que a única pessoa
que representava a massa falida, que era o síndico, tinha concordado
com a desocupação (sic: decisão). Não haveria possibilidade de outra
decisão. Espanta aqui que a coisa toda tenha acontecido.
Tinha concordado em dar quinze dias, não é isto?
M.S.F.: Havia um acordo em que a massa falida, o síndico da massa
falida, concordava com o adiamento da desocupação por quinze dias. E
este acordo foi feito na quinta feira, antes de domingo, 22 de janeiro, e
no domingo, não obstante o acordo, foi feita a operação.
Este juiz que tava fazendo esta intermediação com os deputados,
parlamentares, e também com o advogado e síndico da massa falida, o juiz
Luiz Betwooven Giffori Ferreira, este juiz já sabia que não existia a
massa falida, não é isto?
M.S.F.: Já sabia. Formalmente há ainda um processo de falência.
Formalmente há ainda uma massa falida. Mas eu tenho um despacho, e isto
está digitalizado em meu computador, tenho um despacho de cinco anos
atrás do juiz Betwooven, Dr. Betwooven, dizendo: todos os credores da
falida estão pagos, portanto tudo que for arrecadado, veja, é sim em
favor da falida. Ou seja, reverte-se em favor, explicamos, reverte-se em
favor do senhor Naji Nahas.
Agora com qual interesse, Dr. Márcio?
M.S.F.: Olha, Marilu, eu não tenho a resposta pra isto. Eu tenho só a
minha perplexidade. Eu não vou ser leviano, inconsequente, irresponsável
de fazer acusação a altas autoridades. Mas eu como cidadão tenho o
direito de fazer uma pergunta. Apenas uma pergunta. Por que o senhor
Governador lança a PM com aquela violência extraordinária? Por que o
presidente do tribunal de justiça se empenha pessoalmente a ponto de
mandar o seu principal assessor pra lá, pra uma ação com esta
brutalidade, com esta selvageria, pra favorecer um único escroque?
chamado Naji Nahas. É só isso que estas pessoas precisam responder para o
povo do Estado de São Paulo. Eu não estou fazendo acusação nenhuma. Eu
quero saber por que que a PM vai trabalhar pra Naji Nahas? Por que que
presidente do Tribunal de Justiça se empenha desta maneira pra
beneficiar o senhor Naji Nahas?
É como o senhor falou, se ainda existessem funcionários, empregados precisando receber os salários. Seria diferente.
M.S.F.: Perfeitamente, houve uma desinformação muito grande, Marilu. A
secretária de justiça deu uma entrevista para O Estado de São Paulo,
alguns dias depois dos fatos, dizendo:
– Ah, existem créditos trabalhistas que têm que ser respeitados.
Não existem! Não existem créditos trabalhistas. Não existe nenhum
empregado miserável passando fome pra receber dinheiro da massa falida.
Não existe nenhum credor que vendeu alguma coisa em algum momento que
tenha um crédito contra a Selecta pra ser ressarcido. Não existe
ninguém. É isso que eu quero ressaltar. Mentira, não é pra pagar crédito
trabalhistas, não é pra pagar ninguém. Tudo isto que foi feito só tem
um beneficiário, o senhor Naji Nahas.
Que inclusive é impedido de entrar em vários países, não é Dr. Márcio?
M.S.F.: Olha Marilu eu acho o seguinte, sabe? Eu acho que o que
aconteceu em Pinheirinho, eu vou mais adiante do que o que você está
falando. O que aconteceu no Pinheirinho é crime contra a humanidade.
Crime contra a humanidade, segundo o Direito Penal Internacional,
Estatuto de Roma, deve ser julgado no Tribunal Penal Internacional. Eu
não vejo nenhuma diferença disto que aconteceu ao que fazia um
Milesovic. Que é um réu do Tribunal Penal Internacional. Ou não é crime
contra a humanidade, às cinco horas da madrugada, invadir, uma força
policial armada, helicópteros, uma área onde residiam seis mil pessoas.
Simplesmente jogadas no nada. Crianças. Velhos. Doentes. Seis mil
pessoas. Se isto não é crime contra a humanidade. O que é crime contra a
humanidade? Então, é crime contra a humanidade. Sabe o que eu acho,
Marilu?
Sim?
M.S.F.: O senhor Alckmim, o senhor Naji Nahas, e o presidente do
Tribunal de Justiça. Pelo princípio da jurisdição universal, eles têm
que ser presos em qualquer aeroporto do mundo em que puserem os pés. É
isto o Júlio (sic: Baltasar) Garzon fez, por exemplo. Julio (sic.
Baltasar) Gárzon que foi punido agora injustamente, lamentavelmente.
Pinochet estava em Londres, ele expediu um mandato de prisão contra
Pinochet. O Tribunal Penal Internacional tem que expedir um mandato de
prisão contra estas pessoas. Contra as autoridades responsáveis por este
ato.
Dr. Márcio, mesmo que tivessem problemas trabalhistas, indenizações a
serem pagas, mesmo assim, não se justificaria, não é mesmo, este tipo
de reintegração?
M.S.F.: Não se justificaria. Absolutamente não. Você lembrou muito bem
um aspecto. Em primeiro lugar, é inconstitucional. Por que que é
inconstitucional? Porque existe, pela nossa Constituição, uma
hierarquia de princípios. O primeiro princípio, que é fundamento da
república, isto não é uma questão retórica, é um fundamento da
República. Ou seja, tudo que se faz na estrutura jurídica e
institucional do País deve está em função disto. Qual é este princípio? O
princípio da dignidade humana. Embora existam outros princípios. O
princípio da propriedade privada. A Constituição também protege. Nós
temos uma Constituição pro sistema capitalista. Nossa estrutura social é
capitalista. A propriedade privada é protegida. Mas nós temos uma
Constituição social. Então, a propriedade tem que ter uma função social.
S seis mil pessoas que estavam lá, estavam dando função social à
propriedade. Segunda coisa, o princípio da dignidade humana prevalece
sobre o princípio da defesa da propriedade privada. Então, estes dois
aspectos fulminam, sem qualquer sombra de dúvida, a decisão da juíza de
São José dos Campos. Ela é inconstitucional. Ela não é abrigada pelo
nosso ordenamento jurídico. Então, muito bem lembrado, Marilu, podia ter
credor trabalhista, podia ter outra espécie de credor. Seis mil pessoas
não podem ser jogadas na miséria, colocadas no nada, de uma hora para
outra, pra defender um, ou pra garantir um suposto, porque também há
dúvidas, direito de propriedade do senhor Naji Nanas.
Exato, mesmo porque houve casos semelhantes que foram decididos de forma diferente, NE?
Márcio Sotelo.: Sim. Há muitos casos. Muitos casos. O desembargador hoje
aposentado tem uma decisão clássica sobre isto. Um caso semelhante.
Muito menos grave do que este. Uma área que havia pessoas residindo, que
ele diz, uma decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, o mesmo
Tribunal de Justiça de São Paulo, em que ele diz que o princípio da
moradia digna, da dignidade humana prevalece sobre o da propriedade.
Então, nega a reintegração de posse. Nega a desocupação das pessoas.
Então, esta é a decisão constitucional.
Muito obrigada pela entrevista, ao Dr. Márcio. Um grande abraço pro senhor.
Márcio Sotelo.: Outro pra você, também. Obrigado.
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