O Coletivo Advogados para Democracia apresentou denúncia ao Ministério Público, nesta quinta-feira (01/06), contra a ação violenta que a prefeitura e o governo de São Paulo vêm realizando no centro da cidade, na região conhecida por "Cracolândia".
Foto: O globo |
Desde o domingo (21/05), quando a operação foi deflagrada, inúmeras ilegalidades foram e continuam sendo praticadas contra cidadãos e cidadãs que residem e/ou trabalham no bairro, bem como os moradores de rua e dependentes químicos.
Foto: Daniel Arroyo |
Tal situação afronta a Declaração Universal dos Direitos Humanos; Tratados Internacionais de Direitos Humanos assinados pelo Estado brasileiro; princípios da Constituição Federal; leis federais, estaduais e municipais, notadamente as que dispõem sobre a defesa da criança e do adolescente, do idoso, dos animais, do patrimônio histórico da cidade, antimanicomial, além das orientações da Organização Mundial da Saúde sobre o tratamento para drogaditos, dentre outras agressões.
Foto: Internet (sem crédito) |
A denúncia busca levar aos promotores e promotoras mais informações e comprovações sobre o estado de sítio instaurado, conjuntamente e criminosamente, pelos que governam a cidade e o Estado de São Paulo.
Foto: Internet (sem crédito) |
Leia a denúncia na íntegra:
Excelentíssimo Senhor Procurador Geral de Justiça Representante do
Ministério Público do Estado de São Paulo
COLETIVO
ADVOGADOS PARA A DEMOCRACIA – COADE,
pessoa jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, inscrita no CNPJ sob
nº 26.488.992/0001-31, com sede na Avenida da Liberdade, nº 65, conj. 706,
Bairro Liberdade – São Paulo/SP, CEP 01503-010, com endereço eletrônico
coadesp@gmail.com, por seu representante legal, Dr. Rodrigo Sérvulo da Cunha
Vieira Rios, advogado, portador do RG 241599179, do CPF 248.520.798-46,
inscrito na OAB sob nº 263699, residente e domiciliado na Rua Hungria, nº 720,
8º andar, Jardim Europa, São Paulo/SP, CEP 01455-000, vêm aduzir a seguinte
Representação ao Ministério Público, com fundamento nos artigos 1º, incisos II
e III, 5º e 129, II e III da Constituição Federal, nos artigos 3º e 4º da Lei
8.069/90, Lei Nº 10.032, Lei 10.741/2003, artigos 2º e 3º, Lei 10.216/2001 e
demais dispositivos legais pertinentes, contra o GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO, pessoa jurídica de direito público,
com sede na Avenida Morumbi, 4.500, Morumbi, São Paulo/SP, CEP: 05650-905 e a PREFEITURA DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO,
pessoa jurídica de direito público, com sede no Viaduto do Chá, nº 15, Centro,
São Paulo/SP, CEP: 01009-907 para que sejam acolhidos os pedidos ao final
formulados em razão dos fatos e fundamentos jurídicos a seguir aduzidos:
A presente
representação discute a violação de direitos, praticadas pelo Governo do Estado
de São Paulo e pela Prefeitura da Cidade de São Paulo contra a população em
situação de rua e drogadição ocorridas a partir do dia 23 de maio de 2017, na
região conhecida por ‘Cracolândia’, no centro da cidade de São Paulo.
No dia 21/05/2017
(domingo), a Polícia Civil, Militar e a Guarda Civil Metropolitana, chegaram na
região com um contingente extremamente numeroso de agentes fortemente armados e
iniciou uma ação violenta carregada por prática abusiva com o uso da força pelo
Estado contra pessoas em situação de extrema vulnerabilidade descumprindo
tratados internacionais e legislação nacional que versam sobre a dignidade da
pessoa humana bem como os direitos humanos.
No dia seguinte,
22/05/2017, a prefeitura expediu termos de interdições nos imóveis e
imediatamente iniciou as demolições sem sequer dar um prazo razoável para as
pessoas desocuparem. A notificação, quando houve, foi para desocupação
imediata, relatam moradores da região – um agente público com arma na mão
gritando “saia imediatamente senão atiro” ou ainda “tem 20 minutos para retirar
suas coisas, senão derrubamos com você dentro” - em atuação totalmente
desacompanhada de contraditório administrativo ou judicial.
Ademais, importante
destacar que imóveis já demolidos e outros que serão derrubados pela prefeitura
estão protegidos pela legislação do patrimônio histórico municipal (CONPRESP)
estando em processo de tombamento.
Há comprovações de
que a demolição de um prédio se deu com pessoas dentro, causando lesões
corporais. Dentre tantos crimes cometidos pelos agentes públicos, necessário se
faz a apuração de mais este que acreditamos ser de lesão corporal dolosa, vez
que era do conhecimento de todos que naquele imóvel havia pessoas.
Há, também,
relatos, filmagens e fotos publicadas na internet, rádios e televisões (anexos
a essa representação) que, dentre outros fatos, comprovam que a equipe da
Prefeitura de São Paulo responsável pelas demolições não permitiu aos
residentes a oportunidade de retirarem os seus bens, pertences e documentos
pessoais.
No processo nº
1022440-18.2017.8.26.0053, em trâmite junto a 3ª Vara da Fazenda Pública a
Defensoria Pública afirma:
“A gravidade da
situação é manifesta, na medida em que a Municipalidade, de forma açodada e
imprudente, demonstrando pouco apego à vida das pessoas que habitavam a região,
incontinenti ao final da operação policial destinada a combater o tráfico de
drogas, removeu indistintamente bens de uso diário daquelas pessoas (como
roupas e cobertores) assim como confiscou e colocou em caminhões de lixo
documentos pessoais de muitas pessoas (cf. relatos anexos), que, além de
perderem o pouco que tinham, passaram à situação de indocumentados em seu
próprio país.
Não bastasse, no afã de destruir fisicamente a região, a Prefeitura Municipal sequer adotou os cuidados mais elementares com a vida humana, resultando, na data de hoje, no ferimento de 3 (três) pessoas, quando do desmoronamento de uma parede sobre elas.
Evidentemente, sem colocar em julgamento a conveniência e oportunidade da ação municipal, certo é que o respeito à vida humana é sagrado não se podendo negligenciar da forma em que se está verificando, lamentavelmente.”
Não bastasse, no afã de destruir fisicamente a região, a Prefeitura Municipal sequer adotou os cuidados mais elementares com a vida humana, resultando, na data de hoje, no ferimento de 3 (três) pessoas, quando do desmoronamento de uma parede sobre elas.
Evidentemente, sem colocar em julgamento a conveniência e oportunidade da ação municipal, certo é que o respeito à vida humana é sagrado não se podendo negligenciar da forma em que se está verificando, lamentavelmente.”
A ação perpetrada
pelo poder público (Governo do Estado e Município, em conjunto), além de ser de
uma desumanidade sem precedentes na história da cidade, fere de morte inúmeras
normas, inclusive de cunho penal, pois:
1 - Por meio de decreto
determinou que as áreas de propriedade privada fossem de interesse da
Prefeitura, sem comprovar o cumprimento das normas legais (por exemplo, a
Constituição Federal art. 5º, inc. LIV);
2 - Apropriou-se e destruiu
barracas equipadas com fogão, mantimentos, produtos de higiene, roupas,
colchões, documentos pessoais;
3 - Determinou a demolição de
moradias e estabelecimentos comerciais, dentre eles aqueles protegidos pela
legislação do patrimônio histórico municipal (CONPRESP) sem o devido processo
legal;
4 - Houve evidente crime de
violação de domicílio (artigo 5º, inciso XI, da Constituição Federal de 1988;
art. 150, 3º do Código Penal);
5 - A política municipal do idoso
garantida na lei Nº 13.834/04 foi desrespeitada ao ignorar proteção aos mesmos
residentes na região diante da ação realizada de maneira desproporcional e
truculenta;
6 - O Estatuto da Criança e do
Adolescente também foi violado devido às invasões de residências familiares
onde todos(as) os(as) moradores(as) foram obrigados(as) a se retirarem de seus
lares inclusive crianças.
7 - A prefeitura pretende a
internação compulsória de 400 (quatrocentas) pessoas, desconsiderando
recomendações contrárias a essa ação por entidades de saúde nacionais e internacionais
como, por exemplo, a Organização Mundial de Saúde.
8 - Nesse sentido, os animais
domésticos dos moradores da região também sofreram maus tratos realizados pelos
policiais, ignorando a política de defesa dos animais garantida na Constituição
Federal de 1988, no decreto lei que estabelece medidas de proteção aos animais
(24.645/34) e a lei federal de crimes ambientais (9.605/98).
Os fatos acima
narrados foram fartamente divulgados pela imprensa nacional e estrangeira:
Vale ressaltar que,
diante da desastrosa ação, a secretária de Direitos Humanos da prefeitura de
São Paulo, Sra. Patrícia Bezerra, se exonerou do cargo em caráter irrevogável,
alguns dias após o fato, por discordar da forma desumana, violenta e sem
diálogo com que a prefeitura tratou esse problema de saúde pública.
Portanto, diante
dos fatos cabe ao Poder Público, ora representado pelo Ministério Público, bem
como ao Estado Juiz, fiscalizar e fazer cumprir a lei para que se implemente o
princípio da proteção integral da dignidade da pessoa humana conjugado com os
princípios insculpidos na declaração universal dos direitos humanos, onde se
exige atenção especial a cidadãos e cidadãs em situação de vulnerabilidade, com
atuação da assistência social e atendimento médico dignos e com as devidas
atenção e transparência do poder público, fazendo valer o Estado Democrático de
Direito e suas obrigações com a sociedade, fortalecendo o que afirma a
Constituição Federal de 1988 em casos de problema de saúde pública que é
exatamente o fato em tela.
Ressalte-se que
inúmeras entidades nacionais e internacionais divulgaram notas demonstrando
extrema preocupação com as inúmeras violações de direitos humanos praticadas
por autoridades brasileiras:
Comissão
Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e Alto Comissariado das Nações Unidas
para os Direitos Humanos (ACNUDH):
“Ambas organizações instam às autoridades a levar a cabo as investigações
correspondentes, julgar e sancionar os responsáveis.”
Conselho
Regional de Psicologia do Estado de São Paulo (CRPSP): “Os direitos humanos são
tratados com o cinismo que é acolhido por aqueles que devem justificar seus
atos nefastos. O que se vê na Cracolândia é a cobrança de uma conta de tantos
danos impostos a essas pessoas, cujas histórias de vida são permeadas de
violência e opressão que teimam em se repetir pelas mãos dos mesmos algozes.”
Conselho
Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp), O presidente do Conselho
Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp), Mauro Aranha, orienta os
psiquiatras quanto à sua prerrogativa técnica e profissional para decidir a
necessidade de internação de paciente, seja de maneira voluntária, involuntária
ou compulsória. Neste último caso, devendo fundamentá-la minuciosa e individualmente
e submetê-la à decisão judicial. É absolutamente necessário que se observe que
o ato médico da consulta psiquiátrica deve preceder a todo procedimento de
hospitalização forçada”
Ministério
dos Direitos Humanos:
“Secretaria Especial de Direitos Humanos considera fundamental a devida e
célere apuração das violações de direitos humanos ocorridas durante as
operações na Cracolândia.”
Conselho
Federal de Serviço Social e Conselho Regional de Serviço Social de São Paulo: “CFESS apoia posição do
CRESS-SP sobre as graves violações de direitos humanos na “Cracolândia”.
Associação
Juízes para a Democracia:
“Nota pública de repúdio à política higienista e de extermínio ocorrida na
cracolândia”.
Coletivo
Advogados para a Democracia:
“Nota de repúdio às práticas fascistas na "Cracolândia".
Diante do exposto,
considerando que os fatos acima narrados caracterizam, ofensa aos direitos
humanos consubstanciadas em práticas criminosas por parte do poder público,
requer-se ao Ministério Público que sejam tomadas as providências cabíveis.
São Paulo, 01 de junho de 2017
Rodrigo Sérvulo da Cunha Vieira
Rios
Presidente do Coletivo Advogados
para a Democracia - COADE
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