A
Câmara dos Deputados e seu presidente, que no dia 17 de abril
atentaram contra os 54 milhões de votos da presidente da República,
foram obrigados ontem, dia 5 de maio, a engolir do mesmo veneno.
A
Constituição da República, em seu art. 2°, estabelece que “são
Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o
Legislativo, o Executivo e o Judiciário”. A doutrina democrática
reconhece precedência ao poder político sobre o poder judiciário.
Este é poder derivado, aquele é poder originado diretamente do voto
popular.
Ao
enumerar, em seu art. 55, as causas para a perda de mandato
parlamentar, a Constituição aponta, entre outras, a “condenação
criminal em sentença transitada em julgado”. Mas, na esteira do
art. 2°, acrescenta que “a perda do mandato será decidida pela
Câmara dos Deputados ou pelo Senado Federal, por voto secreto e
maioria absoluta, mediante provocação da respectiva Mesa ou de
partido político representado no Congresso Nacional, assegurada
ampla defesa”.
Vem
a propósito a lembrança de que, em 1968, a Câmara dos Deputados
recusou licença, à ditadura, para processar o deputado Márcio
Moreira Alves (o que deu lugar ao ato institucional n° 5).
Pois
bem, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, em sessão realizada
ontem, dia 5 de maio, ao julgar medida cautelar proposta pela
Procuradoria Geral da República, passando por cima da Constituição
e dos votos obtidos pelo deputado Eduardo Cunha, determinou seu
afastamento. Alguém dirá que foi mero “afastamento”,
“suspensão”, e não perda do mandato. Mas trata-se sem dúvida
de privação do mandato, hipótese que se inclui naquela previsão
legal.
Quando
um juiz mal intencionado não encontra, na lei, norma incidente sobre
o fato em julgamento, apela para um “princípio”. Como se não
fosse, o princípio, característica da moral, e, a norma,
característica do Direito. Como se não fosse o correto buscar, nos
princípios jurídicos, elementos para interpretação das normas.
Não encontrando, no ordenamento, uma norma que autorizasse o
afastamento de Cunha, o ministro Teori Zavascki – relator da medida
cautelar – a par do voto de três ministros, proferidos em outros
casos e circunstâncias, invocou a analogia em matéria penal,
mencionando hipóteses em que a lei prevê o afastamento da
autoridade.
Também
outros ministros fizeram malabarismos retóricos para justificar seu
voto. A ministra Carmen Lúcia sublinhou, como quem descobre a
pólvora, que imunidade parlamentar não se confunde com impunidade
parlamentar. O ministro Toffoli disse que se tratava de uma decisão
“extraordinária”, “excepcionalíssima” (como se esses
adjetivos não coubessem, primariamente, a decisões políticas). E o
ministro Gilmar Mendes, reconhecendo implicitamente a falta de norma
para fundamentar a decisão, mencionou uma pretensa “lacuna
constitucional”.
Alguém
pode agora perguntar: você é a favor do Cunha? Respondo: estamos
tratando de um julgamento, e todo julgamento deve decorrer segundo o
devido processo legal. Se não quisermos abandonar o Estado
democrático de Direito, devemos preservar essa garantia elementar.
Não
tem Constituição o povo que não ama a sua Constituição.
Não
respeita, a si própria, a Suprema Corte, se transgride a
Constituição na qual se funda sua autoridade.
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